Por Erlon José Paschoal *
Responsabilidade é um conceito fundamental nas relações sociais e pessoais de uma sociedade moderna incluindo aí as relações entre uma empresa e o seu entorno. Muitos autores definem, por exemplo, a responsabilidade social como sendo a área onde uma empresa decide qual será seu papel na sociedade, estabelece seus objetivos sociais e suas metas de desempenho e de influências na região onde atua. Neste contexto, não se pode esquecer também da Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece parâmetros a serem seguidos relativos aos gastos públicos de cada ente federativo brasileiro.
Ao mesmo tempo, sabemos que, infelizmente, predominam hoje no país as atitudes genocidas e irresponsáveis de nossos principais governantes, os crimes impunes e a injustiça social, a miséria degradante e a riqueza ostensiva, a infame distribuição de renda e o descaso cínico e a compaixão hipócrita de nossas autoridades. Sobretudo neste ano em que o Brasil andou para trás, afundando um pouco mais no lamaçal do cinismo, da desfaçatez e do desmanche dos serviços públicos. Os milicianos, verdadeiros mafiosos que comandam o país em conluio com jagunços fardados, com a banda podre do judiciário e da classe política, com empresários fraudulentos e com a mídia manipuladora, golpista e mau-caráter, aprofundaram ainda mais a distância entre ricos e pobres, em sua ânsia de destruição da ética e de todos os valores civilizatórios fundamentais nas relações sociais. O obscurantismo, a imbecilização, a disseminação do ódio, o fanatismo religioso, a perseguição inquisitorial de opositores e a execração da ciência, da produção de conhecimentos, das artes e do senso crítico, foram os seus traços mais marcantes. Políticos mesquinhos, magistrados farsantes e militares medíocres, que odeiam o próprio país e o próprio povo, deram um show de incompetência, de descaso e de total irresponsabilidade com o bem-estar da população, nos ministérios, nas secretarias e nos cargos que ocupam.
Mas aí é que está. Quem sabe, seja isso o que mais nos falta: responsabilidade. Será que se trata de uma noção básica para se aprender a viver pacífica e harmoniosamente em sociedade? Ou não passa de resquícios de algum sermão moralista ressurgindo em nossa memória? Seria possível criar uma sociedade mais justa e mais humana sem assumir responsabilidades? E - o mais importante - aprender a ser responsável tem de ser necessariamente algo doloroso, penoso? Ou pode ser prazeroso e gratificante? O teatrólogo e escritor alemão Paul Schallück (1922-1976), numa de suas crônicas, levantou as seguintes questões a respeito da importância deste conceito numa sociedade verdadeiramente democrática:
“Sem responsabilidade pouca contribuição daremos ao mundo em que vivemos. Algum dia, cada um de nós tem de assumir qualquer tipo de responsabilidade ou sentir-se responsável por alguma coisa qualquer, ainda que seja apenas por si mesmo. Mas o que significa de fato, assumir ou ter responsabilidade? Sentir-se conscientemente responsável? O que significa responsabilidade ou senso de responsabilidade?
Se uma pessoa se ajusta às normas sociais, dizemos então que ela se comporta de maneira responsável. Mas por vezes quando ela se rebela, dizemos também que ela agiu com senso de responsabilidade. Quando e onde aprendemos pela primeira vez, que existe algo chamado ‘responsabilidade’? Na família, na escola, no trabalho? De que maneira os pais, professores e patrões pensam que estão transmitindo a noção de responsabilidade? Como eles realmente ensinam aos seus próximos o senso de responsabilidade? Que ideia afinal todos nós fazemos disso? E de quais fatos e concepções depende o nosso senso de responsabilidade? Sabemos muito pouco a respeito. E além de sabermos pouco, quase não refletimos sobre este conceito fundamental sem o qual não se pode viver de maneira democrática. Mesmo assim, tentamos viver e agir de acordo com seus parâmetros.
Na linguagem cotidiana entendemos ‘responsabilidade’ ou ‘senso de responsabilidade’ como sinônimo de ‘credibilidade’, ‘cumprimento do dever’, ‘escrupulosidade’. Mas isto não expressa todo o sentido do conceito. A linguagem jurídica, ao considerar a responsabilidade, refere-se à imputabilidade psicológica de uma pessoa, à autoria de um ato ou de uma ação. Ela pode então ser responsabilizada por tudo o que fizer. Numa ordem hierárquica, ou seja, numa sociedade claramente estruturada de cima para baixo, a responsabilidade equivale à autoridade e ao poder de decisão. A responsabilidade moral cabe sempre a quem ordena e não a quem executa.
A ética contemporânea, contudo, ao considerar o conceito ‘responsabilidade’, refere-se sempre ao relacionamento com o próximo. Assim, o senso de responsabilidade consiste na consciência de ser obrigado a responder moralmente pelas consequências previsíveis e imprevisíveis dos próprios atos. Como quer que se defina este conceito, basta mencioná-lo para despertar nas pessoas o medo e o sentimento de culpa. A causa disto reside na educação a que todos nós em maior ou menor grau fomos submetidos. Geralmente repreendemos e obrigamos a criança a demonstrar o seu senso de responsabilidade, mas quase nunca a elogiamos por ter se comportado de maneira responsável. Desse modo, ela vai aprendendo a considerar a ‘responsabilidade’ como algo incômodo, desagradável e penoso. E até nos livrarmos de tais experiências negativas através de uma evolução posterior e de uma melhor compreensão, costumamos nos curvar irrefletidamente ou por mero interesse, ante as exigências dos outros ou da sociedade, e a chamar isto então de ‘comportamento responsável’.
Por esta razão, a responsabilidade passou a ser vista em nossa educação como algo amargo e custoso. Além disso, ao invés de nos utilizarmos dela para atingir o prazer da autorealização, cedemos frequentemente aos outros, nosso direito de decidir, e preferimos assumir padrões de pensamento que nos permitam atribuir aos outros a responsabilidade pelos nossos próprios atos, sobretudo quando se trata de desvios morais. ‘Responsabilidade’ e ‘senso de responsabilidade’ são conceitos fundamentais numa democracia, mas infelizmente refletimos muito pouco sobre eles.”
Sem dúvida, será sempre possível compatibilizar a aprendizagem com a reflexão e a alegria. Afinal, trata-se de algo sério e necessário à convivência sadia entre seres humanos civilizados. Neste momento, todos ficamos contentes com o início de mais um ano e, com todo ardor, desejamos o melhor dos mundos possíveis para os próximos doze meses. A esperança, tradicionalmente incluída entre as profissões do brasileiro, desempenha nesses momentos um papel de sutil relevância.
De qualquer modo, um novo ano, um novo momento na História brasileira, está se mostrando no horizonte, e temos pela frente muita luta em prol da civilização, da igualdade de direitos, da vacina para todos e contra os vírus ensandecidos que tomaram este país de assalto. E, no calor da festa, respeitando todos os protocolos, podemos imaginar um país melhor para todos, mais justo e.... mais responsável. Será possível?
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.