Por Guilherme Henrique Pereira*
Há muitos anos ouvi o atual decano dos economistas brasileiros, Delfim Neto, explicando para um grupo de estudantes o que seria estudar ciências econômicas e, ao começar, deixou cair o lápis que estava em sua mão e perguntou: por que este lápis foi ao chão quando o soltei? A resposta do grupo foi rápida e quase aos gritos: por conta da Lei da Gravidade! Ótimo, respondeu e emendou perguntando novamente: agora me digam como este lápis veio parar em minha mão? Deixava no ar a sugestão de que para responder deveriam pensar na cadeia de produção, desde o pinus plantado, a colheita da madeira, a serraria, a mineração e processamento do grafite, a indústria do lápis, o transporte, o distribuidor e o lojista. Enfim, milhares de pessoas, trabalhadores e empresários tomando decisões desde um longo período de tempo quando alguém decidiu que plantaria madeira para vender. Mas, qual é a Lei que orienta todas estas decisões de modo que tudo aconteça de forma tão organizada ao ponto do consumidor, no momento em que resolve comprar, encontra o produto na loja? Esta é a Lei do mercado e é o objeto da ciência econômica que vocês se tornarão estudiosos, disse concluindo a introdução à sua explicação sobre o que é a ciência econômica.
Alguns anos mais tarde aqueles alunos aprenderam que a ciência econômica era a busca constante de entendimento de um sistema de produção, ao mesmo tempo de sobrevivência e de vida em sociedade, que é denominado sistema capitalista. A riqueza neste sistema é gerada pelas mercadorias produzidas, o resultado da produção é distribuído pelo encontro, mediado pela moeda, de vendedores e compradores (mercado); nele os meios de produção são propriedade privada dos empresários, bens de capital, e dos trabalhadores, força de trabalho. Os trabalhadores com seus salários e os empresários com seus dividendos, comprarão os bens de consumo; mas, também se produziu bens que servem para produzir outros – insumos, bens de capital, maquinaria e infraestrutura – e que precisam ser demandados, caso contrário, a soma das rendas geradas durante a produção de todas as mercadorias, inclusive os bens de capital, não se igualará a tudo que está indo para o mercado. É quando aprendemos que é a parcela de investimentos que completa a equação, sem a qual, ou com ela insuficiente o sistema entra em desequilíbrio. Tal desequilíbrio se manifesta de várias maneiras: falta de crescimento da riqueza, desemprego, déficit nas transações externas, desordens, etc.
Os dois economistas que formaram a base da ciência econômica contemporânea, John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter enfatizaram também a importância dos investimentos para o funcionamento do nosso sistema. Keynes, para realçar tal relevância, disse que o investimento é tão essencial que não deveria ser deixado por conta só dos empresários e sim ser regulado pelo Governo. Isto é, cabe ao Governo regular ou completar o fluxo de investimentos se houver insuficiência. Esta é exatamente a situação, insuficiência de investimentos, que Brasil se encontra há cerca de 40 anos tendo como consequência neste período uma taxa média de crescimento da ordem de 0,8% a.a., enquanto o mundo desenvolvido, no mesmo período, cresceu a um ritmo de 1,5% a.a. e o em desenvolvimento, cresceu na faixa de 3% a.a.
Schumpeter, por sua vez, ensinou que é o investimento em inovação que quebra a inércia e faz a produção e o emprego acelerarem-se. Algo, também pouco cuidado em nosso país nas últimas décadas e, sobretudo, nos últimos anos quando a produção do conhecimento está simplesmente sendo ignorada e ridicularizada. Basta lembrar da triste passagem de um certo ministro da educação ou o desprezo pelo controle científico da pandemia.
A retomada do emprego no Brasil de hoje passa, necessariamente, por este debate e pelo reconhecimento de que o Governo precisa colocar sua parte no fluxo de investimentos. Já falamos sobre isso em edições anteriores desta coluna.
O que há de novo é uma proposta de um grupo de economistas, cujo pontapé inicial foi dado pelo professor Bresser Pereira. Na proposta, o grupo reafirma a necessidade de ampliação do investimento público em sua característica essencial de ser complementar ao investimento privado, possibilitando as condições gerais de melhoria da produtividade da economia, pela via da infraestrutura mais eficiente, seja em transportes, energia, saúde, educação e, principalmente, competência para o desenvolvimento tecnológico. A proposta em si vai ao encontro de uma solução para a questão fundamental de como financiar tais investimentos. E sobre este ponto os autores não têm a menor dúvida de que este financiamento deve ser realizado com crédito público. Isso levanta um debate de como controlar o volume de crédito a ser tomado e de investimentos governamentais em execução, tendo em vista a falsa polêmica relacionada ao tamanho do setor público ou possibilidades de déficit gerar inflação. Não cabendo aqui tentar descrever toda discussão em torno do tema, adiantamos apenas que o encaminhamento sugerido é o de criação de uma Agência de Investimentos que seria financiada pela emissão de títulos próprios comprados pelo Banco Central. Estes recursos seriam utilizados na implementação de uma carteira de investimentos previamente estruturada a partir de projetos prioritários e bem planejados tendo em vista os objetivos de alavancar a retomada do emprego e estimular também a aceleração do investimento privado.
Uma excelente proposta e é disso que o Brasil precisa, principalmente para estabelecer uma trajetória de desenvolvimento no longo prazo. Há, no entanto, um problema muito importante, o de governança desta agência, para que ela seja devidamente regulada e não haja espaço para excessos nem de volume e nem de deficiências qualitativa na escolha do conjunto de projetos a implementar.
*Doutor em Ciências Econômicas, autor de “Economia Governos e suas Políticas”, Ex Secretário de Estado nas Pastas de Ciência e Tecnologia; e Economia e Planejamento; Editor da revista debatesemrede.com.br; Colunista em AgoraES.