Por Guilherme Henrique Pereira*
Noticiários e redes repletas de explicações sobre a última novidade na indústria automotiva brasileira. E como os brasileiros entendem de tudo um pouco, de futebol a medicina, por que não teriam também uma explicação sobre o fechamento da fábrica da. E para não fugir a regra, também neste caso, há entre nós várias interpretações alimentando a boa polêmica de que tanto gostamos. Vamos resumir os principais argumentos que já ouvimos e em seguida, daremos também a nossa opinião. Afinal não é de nossa índole ficar de fora de um bom debate.
Para uma corrente a Ford saiu porque o ambiente político no Brasil está muito ruim. Presidido por alguém despreparado para a responsabilidade de liderar uma nação, plenamente fora da realidade quanto ao protocolo que organiza as relações entre os governos e países, e totalmente dedicado a criar “factoides” sempre dirigidos para defender ou esconder as peripécias nada republicanas dos filhos, bem como para manter um nível de popularidade suficiente para se viabilizar como candidato em 2022. Esta linha de provocação chega ao ponto de desconsiderar a gravidade da crise sanitária, perturbando e atrasando as melhores práticas para conter a doença e abreviar o sofrimento de muitos ou até mesmo, reduzir o número de mortos. No plano externo, a vergonha imposta aos brasileiros quando diz impropriedades sobre alguns países, sobre a política ambiental ou até sobre a esposa de um presidente. Incompetência e despreparo intelectual para o cargo que colocam no cenário do planejamento a curto prazo a possibilidade de ruptura política e institucional. Então dada a absoluta insegurança quanto ao futuro político do Brasil, o grande capital não quer investir mais nem continuar no Brasil. Tudo isso pode ser verdade, e cada dia que passa fica mais difícil dos aliados políticos esconderem embaixo do tapete a realidade. Mas, não é crível que seria motivo para fechar fábricas, pela simples razão de que decisões relacionadas aos grandes capitais estão associados a estratégias definidas em horizontes de longo prazo. Não seria uma expectativa de conjuntura ruim nos dois ou três anos seguintes que levaria a tornar ocioso um ativo de grande porte. Talvez pudesse sugerir o adiamento de alguns desembolsos, mas desativar um ativo ainda rentável, nos parece pouco provável.
Outra corrente diz que a Ford saiu porque no Brasil a carga tributária é alta, a burocracia insuportável, os encargos trabalhistas elevados. Resumem tudo em duas palavras, pronunciadas com entonação de voz indicando algo muito negativo e desprezo pelo país: é o “custo Brasil”. Ora isso não é uma jabuticaba, todo o país tem custo para o funcionamento das empresas. Carga tributária tem que ficar fora da conversa porque no Brasil as empresas não pagam impostos, nem o imposto de renda sobre os dividendos que os acionistas recebem, pois esta renda é isenta. E os demais impostos estão incorporados ao preço das mercadorias, portanto, quem os paga são os consumidores. Burocracia e encargos trabalhistas certamente variam entre os países, assim como variam os benefícios para os investimentos: tamanho de mercado, qualidade da mão de obra, serviços de saúde e educação para os trabalhadores, localização, etc. Logo o que importa é o balanço entre custos e benefícios ofertados em cada país. Uma conta que nunca ouvi um executivo de multinacional dizendo que fez. Com certeza o Brasil apresenta um saldo muito favorável ao investimento estrangeiro, tanto é verdade que o capital estrangeiro tem larga margem de presença na maioria dos segmentos produtivos e financeiros. E atualmente, olhando do mesmo ângulo da arrogância que se fala em “custo Brasil”, honestamente têm que reconhecer que o Brasil está melhorando ao reduzir direitos dos trabalhadores, dar subsídios para negócios, reduzir juros, etc. De novo, esta linha de argumentação não parece razoável.
Outra argumentação menciona a falta de planejamento e ação do governo no sentido de promover a retomada do crescimento. Baixo crescimento implicará em queda de demanda, inclusive de automóveis. Isso também é verdade e indica uma dura realidade para os brasileiros nos próximos anos. No entanto, as narrativas dos executivos é de que o Brasil precisa de reformas e o Ministro da Economia que eles escolheram e prestigiam prometeu entregar todas as reformas que almejam. Já entregou a reforma trabalhista e previdenciária. Portanto, seria inteiramente precipitada ou fora de contexto o fechamento de Fábricas, afinal, o Ministro está na linha exata do que pediram. Pontualmente, há reclamações que ele só atende demandas dos banqueiros e deixa de lado a manufatura. Também pode ser verdade, mas, no conjunto dos empresários ele está atendendo as reivindicações que foram postas. Tudo está em desconstrução para atender tais reinvindicações.
Por que saiu a Ford? O mais razoável é buscar as razões em prognósticos de longo prazo sobre o uso do automóvel. Um executivo de grande multinacional fornecedora de peças e acessória para automóveis em palestra há cerca de dois anos, explicava o porquê de sua empresa ter abraçado a estratégia da “inovação aberta”. A linha principal de raciocínio era o seguinte: os estudos de mercado e sociológicos sobre tendências de futuras gerações apontam para uma forte mudança comportamental no uso do automóvel. Muitos jovens hoje já não querem dirigir, preferem os aplicativos (tipo uber) para se deslocarem de carro ou de bicicleta. O automóvel como propriedade e o sonho de consumo da classe média de algumas décadas atrás desaparecerá. No caso dessa fornecedora de peças a decisão foi internalizar em seus amplos espaços vazios (resultados de processos anteriores de terceirização ou de automação, inclusive nos escritórios) startups que poderiam apoiar para acelerarem suas estratégias de diversificação da atividades.
O exemplo desta empresa pode indicar a linha de pensamento mais provável para entender as justificativas relacionadas à decisão da Ford. Além disso, cabe lembrar que a Ford deteve em 2020 apenas 7,1% do mercado e deste total 15% já não produziu no Brasil. Mas, ainda prevalecerá a dúvida de porque sair do Brasil: Dado que a demanda mundial de automóveis (como o conhecemos hoje) tende a diminuir é esperado que as empresas diversifiquem suas atividades e fechem linhas de produção do famoso automóvel de passeio. Mas porque não fechou em outro país? Porque não adota uma diversificação de suas atividades por aqui?
* Doutor em Ciências Econômicas, autor de “Economia Governos e suas Políticas”, Ex Secretário de Estado nas Pastas de Ciência e Tecnologia; e Economia e Planejamento; Editor da revista debatesemrede.com.br; Colunista em AgoraES.
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