Fabrício Augusto de Oliveira*
Com o objetivo de salvar a Operação Lava Jato e livrar o ex-juiz Sérgio Moro do inquérito de suspeição na investigação dos crimes cometidos pelo ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro do STF, Edson Fachin, decidiu pela anulação dos processos que estiveram sob seu comando, transferindo-os para a Justiça Federal em Brasília. Tal decisão, em tese, deveria extinguir também o julgamento de Moro que corria no STF, já que extinto seu objeto. Deveria, mas não foi o que pensou o ministro Gilmar Mendes.
Desde que a Lava Jato e mais ainda o ex-juiz Sérgio Moro ofuscaram a estrela de Mendes, que sempre posou como o maior luminar da justiça no Brasil, ele se tornou seu mais ferrenho inimigo, embora justificando sua posição pelos excessos cometidos pela mesma. Provavelmente, mais movido por estes ciúmes, retirou da gaveta o processo de suspeição do ex-juiz adormecido em sua gaveta há dois anos e impôs seu imediato julgamento na 2ª Turma do STF que, docilmente, acatou seu pedido.
O resultado do julgamento, pelo menos até o momento, é de que os processos e as provas colhidas pelos procuradores da Lava Jato contra o ex-presidente Lula sejam anulados, benefício que, em efeito-dominó, pode ser estendido a todos os que foram condenados nessa operação, para os quais se abre a possibilidade não somente de recuperar os recursos que negociaram para compensar o Estado pelas perdas decorrentes de seus crimes, mas até mesmo de exigir alguma indenização por danos morais e materiais.
O STF não fez o julgamento do mérito das provas, apenas considerou a parcialidade de Moro no julgamento e que, por essa razão, as provas colhidas deverão ser desconsideradas mesmo que comprovando os crimes cometidos. Ou seja, não declarou a inocência do réu, mas ao mesmo tempo impediu qualquer condenação do mesmo com essas provas, o que significa, na prática, aval para a impunidade.
Na mesma direção caminha, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o processo de Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, sobre as “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Capitaneado pelo ministro João Otávio de Noronha, por quem Bolsonaro já declarou “amor à primeira vista”, tantas as votações por ele feitas em seu interesse, e que continua pleiteando ser indicado para ministro do STF pelo presidente, já se conseguiu, numa primeira rodada da Turma que analisa o processo, anular as provas mais concretas de que se dispunha sobre os crimes cometidos pelo senador, sob a alegação de que faltaram maiores “fundamentos” do juiz encarregado do caso para a quebra de seu sigilo bancário.
Enquanto os tribunais superiores têm se apegado a questões processuais para ajudar na desmontagem das operações de investigação contra os agentes e atores mais poderosos do país, o presidente da República desfila diariamente pelas ruas do país, decantando o regime militar, beneficiando policiais, afrontando a democracia, incentivando o uso de armas pela população, destruindo a economia, o meio ambiente e, mais importante, ceifando vidas humanas com sua índole terraplanista, ao atuar a favor do vírus.
Vários crimes por ele cometidos, que vão desde o de improbidade administrativa, ao do meio ambiente, à incitação à violência, ao descaso com a pandemia e com a vida humana, comportando-se como o verdadeiro cavaleiro da morte, com provas robustas que podem ser obtidas licitamente na imprensa, no rádio e na televisão, esses atos não são suficientes para despertar estes poderes e nem o Procurador Geral da República (PGR), que também anda de olho na sua indicação como juiz do STF, para tomar alguma providência contra a destruição do país. Afinal, parecem estar mais preocupados com a ilicitude da prova para abortar investigações do que com a sua veracidade.
Para agravar este quadro, termina de ser eleita para presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, a deputada Bia Kicis, manifestamente inimiga da Constituição e adepta de regimes autoritários. Embora algumas vozes contrárias à sua indicação tenham aparecido e a oposição tenha procurado barrar sua eleição, essas não foram suficientes para impedir sua vitória. Com este currículo, pouco se pode esperar que as matérias que serão ali votadas, contando com o voto certo de bolsonaristas empenhados em agradar ao presidente, atendam, de fato, as aspirações de uma sociedade democrática.
Quando se tem o poder judiciário e o legislativo atuando dessa forma e, no executivo, se encontram nomes, também terraplanistas, como os de Ernesto Araújo, Ricardo Salles, Damares Silva, Paulo Guedes, inimigos da diplomacia, do meio ambiente, dos direitos humanos e sociais, pastas que ocupam, não estranha que o país esteja se transformando – se já não se transformou - num pária internacional e se tornado motivo de preocupação e de alto risco para o mundo. Nessa situação, como as instituições não funcionam para a sociedade, ao contrário de que seus membros insistem em apontar, mas apenas para os mais poderosos, só nos resta mudá-las ou orar.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil (1889-2016)”.