Por Ricardo Coelho dos Santos*
Não sei se algum entendido já citou que um automóvel se converte no microcosmo particular do seu proprietário, que, na maioria esmagadora das vezes, é o próprio motorista do veículo.
Vamos começar.
Alguns motoristas mantêm seus carros impecáveis, sempre brilhantes, tendo ojeriza à menor mancha que venha a aparecer na sua pintura. Outros, proprietários de utilitários com tração nas quatro rodas, mostram orgulhosos que possuem um bloco de lama ambulante, que, de vez em quando, recebem uma rápida ducha d´água, revelando suas cores originais por um curto espaço de tempo.
Temos, também, os que mantém os interiores dos seus microcosmos com uma organização impecável, digna de uma biblioteca. Outros, não se incomodam em fazer seus caronas disputarem seus lugares com revistas e peças de roupas, algumas até íntimas, pertencentes a alguém do sexo oposto. Alguém já parou para pensar sobre isso?
Os mais interessantes são os que enfeitam esses interiores. Geralmente, são da turma dos organizados e fazem seus veículos portadores dos designs mais risíveis possíveis. São carros com bancos forrados com algo roxo, felpudo, ou mesmo com uma luz negra ou aparelhos de televisão ligados, com bonecos que balançam a cabeça colocados nos painéis da frente ou uma mãozinha dando “tchau” no para-brisas traseiro, além de fofíssimos bichinhos de pelúcia deitados, para a contemplação dos motoristas que vêm atrás, que podem ver também seus olhos brilharem luzes vermelhas quando o freio é acionado.
Alguns desses assessórios são irregulares, mas ainda são encontrados em vários veículos de transporte pelo Brasil afora. Geralmente, usados por motoristas de caminhão, mas vários condutores de automóveis e camionetes também adotam esses peculiares costumes.
Alvos de duros preconceitos, os piadistas de plantão e os críticos oportunistas não perdoam esses comportamentos. Pura implicância gratuita. Essas pessoas vivem na deles, não incomodam ninguém, gostam dos adornos gritantes, diferentes, alguns até raros e curiosos, irregulares ou não, sem ofender a ninguém mais que o bom gosto e algumas legislações quebradas, só mesmo percebidas por zelosos policiais.
Mas o assunto da nossa matéria é outro tipo de motorista que também vive dentro do seu mundo particular, porém ameaçando o dos outros. São os que dirigem como se fossem os únicos do mundo com direito a dirigirem, e os demais que se danem. Vamos ver o que se pode reparar por aí!
Chamamos de “piloto de avião” não aquele que dirige na velocidade das aeronaves, mas sim, o que anda com a faixa da estrada ou da rua entre as rodas de bombordo e boreste, como se faz com as aeronaves nas pistas de pouso. Dirigindo sobre a faixa, não se sabe qual a pista que será ocupada e quem quer ultrapassar se atrapalha, sem saber qual o lado seguir.
O “sou importante” é como chamamos o apressado. Arranca muitas vezes antes do sinal ficar verde, fecha todos os motoristas se enfiando entre os espaços de segurança, buzina a todo instante pedindo aos demais andarem acima da velocidade permitida e ultrapassa pelo acostamento. Geralmente, voa baixo, mas crava o freio diante de um radar, passando a andar mais lentamente que uma tartaruga, obrigando quem está atrás a frear, mesmo na velocidade regulamentar. Deve ser a única pessoa do mundo que não pode chegar atrasada. Possui desejos de instalar uma sirene, convertendo o carro em viatura.
Alguns homens se encaixam na categoria “supremacia masculina”. São os sexistas sobre rodas. Não permitem, sob hipótese alguma, que alguém do sexo feminino os ultrapassem nas rodovias. Não importa que as mulheres estejam dirigindo algo novo, moderno e esportivo e eles pilotando relíquias da década de 1960, que eles chamam o motor, aceleram até soltar os parafusos dos sexagenários automóveis e passam na frente das moças que nem estão incomodadas em apostar corrida com alguém!
Temos, também, os “pilotos profissionais”. Postam seus possantes sob o sinal vermelho e com várias acelerações barulhentas e sucessivas, com escapamentos abertos, esperam o sinal ficar verde para arrancarem cantando pneus. Alguns motociclistas se encaixam também nessa categoria, embora tenha quem fique dessa maneira acelerando para evitar que os motores morram por conta da má regulação da máquina.
Os “olha eu aqui” usam uma buzina estridente ou com sonoridade fora dos padrões, ou as duas coisas. Nada contra em ser diferente, mas ficar buzinando toda hora para mostrar a novidade é um castigo que nossos ouvidos não merecem. Aliás, mesmo com buzinas normais, ninguém aguenta ficar ouvindo excessos.
“Chegou o Natal” são os motoristas que andam com o “pisca-alerta” ligado. Especula-se que a pessoa esqueceu de desligar, está querendo avisar um perigo ou simplesmente está comemorando. Lembrando que há um som que se torna irritante quando acionado por algum tempo, é difícil crer que esquecimento seja uma desculpa para deixar os dois pisca-piscas acionados simultaneamente.
“Baladeiro” é quem dirige com música colocada no som mais alto possível. Alguns deixam as janelas abertas e perturbam até quem está na rua, impedindo a conversa normal. Há sons tão altos que afetam os transeuntes mesmo estando as janelas fechadas. Especulo que esse pessoal possui solas de sapato no lugar de tímpanos. Esse pessoal tem a característica de perturbar à noite, após o horário de silêncio (se é que isso ainda existe) parando seus carros para se despedir de amigos e namoradas ao som romântico do funk de Jojo Todinho. Fora aqueles que vão à praia, abrem o porta-malas e solta um som decididamente pesado e transformam o capô do carro num balcão de bar para tomar alguns litros de cerveja.
“Os donos da 262” são aqueles que ultrapassam na curva, onde há faixa dupla ou com outros veículos vindos pela outra mão. A pista é deles e que o resto do mundo trate de respeitar, saindo da frente ou freando para ele entrar na frente se safando de um acidente. Muito comum na tortuosa BR-262, mas também são praga na BR-101.
A turma do “presta a atenção” são os que entram na preferencial, quer venha um veículo na pista ou não. Esse que trate de frear para evitar o acidente. Os motoristas faltosos chegam a ficar ofendidos quando escutam as freadas praticadas. Afinal, “será que ele não está me vendo?”.
E, para finalizar essa lista, que certamente não é exaustiva, temos os “vou na fé”. Esse pessoal costuma carregar um símbolo de uma igreja qualquer e, acreditando piamente serem especialmente ungidos pelo bom Deus, por decreto do padre ou do pastor, dirigem de forma crer que jamais serão atingidos. O fato de não haver acidentes com esse pessoal nos faz desconfiar que realmente eles estejam com a razão. Aliás, pelo número pequeno de acidentes em comparação com os horrores praticados descritos acima, dá para imaginar que esse pessoal tem santos fortes aos seus lados!
* Engenheiro e Escritor.
Foto: reprodução da internet