Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Enquanto os economistas neoliberais continuam batendo cabeça para ajustar seus modelos econômicos à nova realidade colocada primeiramente pela crise do subprime de 2008 e, atualmente, pela do coronavírus, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tem se antecipado ao resultados dessa revisão em curso da teoria e procurado, por modos próprios, estabelecer os novos caminhos que a política econômica deveria trilhar para relançar o crescimento e, concomitantemente, combater a pandemia e as desigualdades com ela escancaradas.
A crise de 2008 abalou os alicerces que sustentavam o edifício teórico do mainstream ao desvelar que a economia real (o produto, o consumo e os investimentos) pode, sim, ser afetada pela irracionalidade do capital financeiro, ao mesmo tempo que demonstrou a importância do Estado e da política fiscal para injetar oxigênio no sistema e para evitar seu colapso, algo que não constava do cardápio dessa escola de pensamento. Apegada à crença de que apenas a política monetária, por meio do controle da moeda e do manejo da taxa de juros, bastava para garantir preços estáveis e o equilíbrio eficiente da economia, seus membros se posicionavam contra qualquer intervenção do Estado na economia, defendendo políticas de austeridade fiscal para garantir a estabilidade macroeconômica.
A crise do coronavírus, além de provocar um novo afundamento da atividade econômica e desnudar as gritantes desigualdades existentes no capitalismo, sem que estes problemas encontrassem respostas nos supostos mecanismos de correção automática dos mercados, exigiu ainda maior intervenção dos Estados, de uma maneira geral, para salvar o sistema e vidas humanas, ficando mais evidente, nessas duas crises, que a eficiência dos mercados e sua capacidade de se autorregular só existe nos modelos econométricos dos economistas, não na vida real.
Como Biden vive no mundo real, tratou, logo no início de seu mandato de adotar medidas para dar condições à economia de se recuperar e enfrentar a crise sanitária, seguindo caminho oposto ao preconizado pelo paradigma teórico hegemônico. Recuperando o Estado como protagonista, está estendendo uma rede de proteção para a população mais afetada pela crise e para as empresas do setor produtivo, com programas envolvendo recursos que devem estar provocando pesadelos na corrente ultraconservadora da Escola de Chicago e em seus adeptos, que têm assistido às suas propostas de políticas intransigentes de austeridade, combinadas com o controle da oferta de moeda e de manejo da taxa de juros para domar o ciclo econômico, irem para o ralo.
Entre março e abril deste ano, Biden lançou três pacotes econômicos que totalizam US$ 6 trilhões, o correspondente a 30% do PIB norte-americano para combater os efeitos provocados pela pandemia. Em 11 de março, o Programa de Estímulos Econômicos, de US$ 1,9 trilhão, que inclui pagamentos únicos de US$ 1,4 mil para os cidadãos com renda inferior a US$ 75 mil por ano, já aprovado pelo Congresso. No dia 31 deste mês, um novo programa focado em investimentos em infraestrutura e em medidas de mudanças climáticas, com o objetivo de expandir o emprego e proteger o meio-ambiente, com recursos de US$ 2 trilhões, cuja aprovação pelo Congresso é esperada para o mês de julho. E, no dia 28 de abril, um novo plano, batizado de “Plano das Famílias Americanas”, contemplando investimentos de US$ 1,8 trilhão, em áreas como educação, saúde e cuidados infantis.
Surpreendentemente, ao mesmo tempo em que destina auxílios para a população desempregada e mais vulnerável e para setores com maior capacidade de geração de postos de trabalho, Biden propõe destinar o pagamento de parcela dessa conta para o capital e as camadas mais ricas do país, com o aumento de impostos sobre os seus lucros e ganhos. Uma heresia para o pensamento conservador que sempre deu um jeito de defender seus interesses com diversos argumentos, destituídos de fundamentos tanto teóricos quanto históricos, de que os mesmos são essenciais para garantir a poupança para os investimentos e para evitar sua migração para outros países com tratamento tributário mais favorável.
Antes de Biden, Barak Obama deu início a essa revolução após a crise do subprime, mas sua iniciativa terminou sendo tolhida por Wall Street, pelo Partido Republicano e pelo Trumpismo. Existe o risco de que o mesmo ocorra com a de Biden, mas as chances de aprovação de seus programas são bem maiores pelo fato de o Partido Democrata contar com maioria, ainda que restrita, no Congresso. Se isso acontecer, uma nova história poderá sendo reescrita para a teoria e a política econômica, depois de quarenta anos de hegemonia neoliberal, com a ciência econômica deixando para trás o papel a que se viu reduzida de construir argumentos e modelos divorciados da realidade para justificar a proteção da riqueza e dos interesses das classes poderosas.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil”.
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