Aylê-Salassié F. Quintão*
“Só compre moedas digitais se estiver preparado para perder todo o dinheiro aplicado”, adverte Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra, termômetro do fluxo financeiro no mundo. Os ganhos são astronômicos, mas as possibilidades de perdas são ainda maiores.
Em 2017, uma unidade de bitcoin, a moeda criptografada, era adquirida por US$ 4.700, e chegou a US$13.400. Atraiu milhares de pessoas. Um ano depois, valia, entretanto, US$3.500, conforme mostra a revista Infomoney (https://www.infomoney.com.br/guias/ criptomoedas/). Seu valor pode alcançar elevados patamares hoje, e amanhã despencar . Altamente volátil, é, entretanto, sedutora para quem nada tem a perder ou para quem pensa em ficar rico repentinamente.
As criptomoedas são muitas: bitcoin, etherum (ETH), tether (USDT), Ripple (XRP), Litecoin(LTC) e outras. Mas não tem lastro (garantia) material acessível para dar suporte aos montantes em circulação virtual e que transitam já pelos bilhões, embora use como referência o dólar, norte-americano, por sua vez lastreado no fluxo comercial e financeiro no mundo (U$ 25 trilhões).
Impossível, portanto, ignorar seus efeitos políticos planetários. As moedas digitais ajudam, no fundo, aqueles que tentam derrubar a hegemonia do dólar no mercado internacional. Em um momento no passado recente os países do BRICS ( Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e até do Mercosul pretenderam derrubar o dólar.
Atualmente, a China disputa com os EUA um espaço para sua moeda, o Yuan, no mercado internacional. Os chineses estão sempre contestando o uso extensivo do dólar ( e do euro), e tentam mudar a prática. Mas é complicado. Embora sua moeda tenha lastro nas suas relações comerciais com alguns países asiáticos e africanos, não tem a confiança do mercado. A própria China mantém parte de suas reservas depositadas em bancos dos Estados Unidos e da Europa.
A pretensão à mudança não é uma decisão tomada autoritária ou revolucionariamente, tipo do que pregava Chávez. Os Estados Unidos é o único no mundo a manter relações comerciais com todos os países. Em seus bancos ( ou os da Europa) estão depositadas reservas de praticamente todos eles.
O Sistema Monetário internacional é capitaneado pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial , Banco da Inglaterra, Banco de Compensações Internacionais (Suíça) que reúne mais de 50 bancos centrais e um grupo de bancos nacionais e privados no mundo – europeus, árabes e japoneses . São eles que acompanham e controlam o fluxo monetário ao redor do planeta. Nos Estados Unidos, o que se conhece como FED.- Federal Reserve , diferentemente do Banco Central do Brasil, é integrado pelos 12 conglomerados financeiros privados mais importantes.
São muitas as tentativas de retirar essa força do dólar como a moeda de referência que começou com o Plano Marshal despejando bilhões de dólares na Europa e no Japão para a recuperação do pós guerra e foi legitimado como tal no Acordo de Breton Woods como alternativa ao padrão-ouro. Com isso, o dólar deslocou a libra (mais valorizada), o marco alemão, o franco francês e suíço, o yen (do Japão). Quando criado, uma das funções do euro, configurado em uma cesta de moedas, seria unificar o sistema monetário europeu e substituir o dólar nas relações comerciais e financeiras do continente. Contudo, o potencial das economias europeias varia de país a país: algumas são mais lucrativas , outras sistematicamente deficitárias. A chegada do euro fez os preços internos subirem. Fracassou toda essa conspiração, seja do euro, do yen e outros. Os russos, com o rublo, nem tentaram, a não ser nas relações no Leste Europeu durante a guerra fria .
As assimetrias nas economias, maior fluxo de moedas periféricas e câmbios flutuantes geraram mais instabilidade. Abriram espaço para as criptomoedas, totalmente virtuais. Os valores são especulativos, apesar do referêncial centrado no dólar. O princípio é também o etéreo mercado da oferta e da procura. Cria-se um novo meio de pagamento (M1, M2, M3...), sem respaldo nas Políticas Monetárias. Os MPs são papéis (títulos do Tesouro, nota promissória, cartões de crédito garantidos juridicamente como tais, pela capacidade de gerar valores de compra, de venda e de estocagem de reservas. Exigem uma complexa administração pelos Bancos Centrais para não implodir as economias. Indicam a taxa média de juros e são quase determinantes do índice da inflação, essa que chega ao consumidor e às donas de casa.
Por isso, há quem considere as criptomoedas como ativos arriscados demais para atrair o interesse das grandes empresas. Não aparenta ser totalmente verdadeiro. O Mercado Livre, a maior plataforma de e-commerce existente comprou, no primeiro trimestre deste ano, R$ 7,8 bilhões em criptomoedas. A Tesla acaba de vender 270 milhões em criptomoedas. O BNDES chegou a fazer uma experiência, arroubo que, parece, foi contido. Afinal ele opera com recursos do FGTS do trabalhador. Mas, os Bancos Centrais, inclusive o do Brasil, não estão ignorando essas moedas. Preocupam pelo fato de não terem qualquer responsabilidade pelas metas anuais de governos para as economias. Curiosamente, trata-se de algo paralelo.
O Sistema (SFI) mostra preocupações. Mesmo porque o lastro para as moedas virtuais começa a despontar com as novas tecnologias , que não se resumem aos sofisticados meios de produção e reprodução do capital. Já descem ao nível do consumo individual e até familiar, podendo confundir ainda mais as políticas monetárias no mundo.
* Jornalista e professor de História Social, UNB.
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