Sergio Rogerio de Castro*
Por volta de 1963/1964 devo ter ido a São Paulo pela primeira vez. Estudante de engenharia mecânica, fui estagiar na fábrica de automóveis Volkswagen. Morava numa república, num quarto com 4 camas.
A experiência foi ótima. A parte profissional era tratada ao estilo alemão: aprender fazendo. A parte educativa desenvolveu-se de modo mais natural. Nós, estagiários, passadas poucas semanas do início dos trabalhos, já éramos como velhos conhecidos, almoçávamos juntos diariamente. Logo descobrimos um atalho para alcançar o refeitório. Claro e visível, uma placa avisando que não era permitido trafegar por ali. O grupo tirou o aviso por menos. Dali a não muitos dias, um alemão nos esperava na entrada do atalho. Levamos um “sabão” antológico, inesquecível. O germânico nos ensinou a importância de se respeitar um aviso.
Lembro que, no almoço, refeição sempre garantida no refeitório da indústria, comia bem. O jantar por outro lado era fraco, pago com o salário de um estagiário. Morando em uma república mais do que modesta, jantando precariamente e com pouco dinheiro para passear e conhecer melhor a cidade, confesso que minhas primeiras impressões da cidade de São Paulo não foram lá muito boas.
Voltei à “terra da garoa” em 1965 com a missão de captar recursos para o Grupo de Aperfeiçoamento Cultural da Escola Nacional de Engenharia (GACENE). Os recursos serviriam para financiar uma viagem de 6 (seis) meses à Europa, numa espécie de “viagem de fim de curso”, em que, nós, formandos, visitaríamos empresas importantes do setor de engenharia e também aproveitaríamos os finais de semana e feriados para conhecer cidades, museus, parques. Em São Paulo, não tive sucesso na minha missão, o que reforçou a minha má-vontade com a cidade. Felizmente, o projeto acabou sendo bem-sucedido, ainda que outros meios.
Entendo que os “anos dourados” da minha vida coincidiram com os “anos dourados” do Rio de Janeiro. Cheguei à cidade maravilhosa em 1957. Naquela época, o país e a então capital federal se animavam com o início do governo sonhador de Juscelino Kubistchek, com o primeiro título mundial da seleção canarinho (1958) e com o despertar da bossa nova (o LP “Chega de Saudade”, marco inaugural do movimento, é de1959). Deixei as terras cariocas em 1968, ano em que foi editado o AI-5, que consolidou a entrada do país em uma fase de profunda decadência democrática.
A partir de 1972, São Paulo passou a ser a cidade que eu mais visitava no Brasil. Com veia de empreendedor, fui fazer orçamentos para o projeto de uma indústria de transformação de plásticos. Foram incontáveis viagens, que, pouco a pouco, fizeram com que o meu conceito sobre a Grande São Paulo começasse a mudar.
Quase todos os equipamentos que compuseram a planta inicial da FIBRASA, indústria do setor de plástico que hoje beira os 50 anos de história, foram comprados aqui, de fabricantes ou por intermédio de representantes. A mão de obra especializada para operar os equipamentos também foi recrutada em São Paulo. E os grandes clientes, onde estavam a maioria deles?
Quando o Brasil começou a produzir a resina plástica, a negociação comercial e a assistência técnica aconteciam na capital paulista. Onde ficavam as associações de empreendedores que nos representavam? Quando a carteira de pedidos esvaziava e as contas tinham de ser pagas, vínhamos buscar energia, inspiração e, é claro, pedidos de compra em São Paulo.
Nestas viagens de negócios tive a oportunidade de assistir a grandes espetáculos culturais que estavam migrando do Rio para São Paulo. Andei muito a pé por todo o centro de São Paulo, do Largo do Arouche à Praça da Sé, passando pelas Avenidas São João e Ipiranga. E assim fui me encantando por esta cidade que não dorme, que tem o quinto maior orçamento público do país, é palco de importantes despachos do Governo Federal, sede de dezenas de consulados de países que têm negócios com o Brasil.
Nesses anos de vivência e convivência, fui testemunhando São Paulo assumir a liderança também da área da saúde, do direito, da engenharia, da auditoria e da consultoria. Também devo destacar a pujança do setor de ensino, especialmente nos cursos de graduação e pós-graduação.
Concluo, para passear, de vez em quando, prefiro o Rio, a cidade mais linda do mundo e onde fui muito feliz. Mas, para visitar mais frequentemente, prestigiar um bom espetáculo, uma destacada exposição de arte, para contar com uma maior diversidade de restaurantes, cuidar da saúde e orientar meus netos para estudarem, não restam dúvidas: São Paulo ficou muito melhor do que o Rio de Janeiro, com o devido respeito aos colegas cariocas que leem estas linhas.
Uma provável explicação? Os cariocas têm escolhido muito mal os seus governantes nestas últimas décadas. E isso faz uma diferença enorme!
*Engenheiro, empresário, Presidente do Conselho Deliberativo do Instituo IGEDS ARANDÚ e articulista em Debates em Rede e outros.