*Erlon José Paschoal
Nascido na Bielorrússia em 1984, Evgeny Morozov estudou na Bulgária e pesquisou as implicações políticas e sociais da evolução tecnológica e digital no século 21. Depois de alguns anos em Berlim, ele se mudou para os Estados Unidos, onde passou a investigar o que chama de “tecno-populismo”, a promessa de um mundo melhor fundada na economia da inovação e dos compartilhamentos promovida pelas redes.
Com suas obras e seus artigos sempre muito críticos, Morozov se tornou uma voz dissonante, em meio ao neoliberalismo que idolatra as tecnologias digitais, considerando-as como a solução para todos os problemas humanos. Uma espécie de ilusão consentida através da qual a grande maioria das pessoas aceita de bom grado ter sua privacidade invadida e comercializada em troca da rapidez, das facilidades e da suposta liberdade ilimitada que o mundo digital oferece.
Morozov teve recentemente o seu livro Big Tech: A Ascensão dos Dados e a Morte da Política lançado no Brasil pela Ubu Editora, com um prefácio escrito especialmente para esta edição.
Nesta obra, Morozov expõe com muita acuidade a gigantesca contradição deste novo mundo que, de um lado, empodera o usuário proporcionando a todos, sem distinção de raça, cor ou ascendência social, as mesmas condições para concretizar os sonhos de consumo e de realização profissional e, de outro, mantêm ainda de forma mais extrema a lógica capitalista de acumulação de capital. Afinal, as maiores empresas do planeta hoje - Google, Facebook, Microsoft, Amazon, Apple, Uber, Airbnb e Netflix - resumem-se àquelas que detêm o monopólio das redes sociais e do mundo digital. Como exemplo, ele cita o Uber que em uma das últimas avaliações no mercado financeiro valia pouco menos de 80 bilhões de dólares. Pois como afirma o autor, este fenômeno só foi possível como consequência da extinção dos direitos trabalhistas, da disseminação do ideal enganoso de empreendedorismo e do desmanche das políticas sociais inclusivas. Uma combinação difícil de ser combatida: a liberdade virtual substituindo a liberdade real e a ilusão de gratuidade de todos os serviços online em um mundo de abundância e prosperidade sem classes sociais, no qual todos são iguais para tomarem decisões, serem bons empreendedores e fazerem o que bem entenderem.
Desse modo, todos assimilam sem esforço a postura neoliberal de que tudo emana do indivíduo, todos os seus problemas e as suas respectivas soluções, fazendo da política e das organizações coletivas, dos direitos sociais e da cidadania e do acesso aos meios de produção, coisas do passado. Ela supostamente retira, enfim, a ideologia da política transformando-a em uma mera gestão corporativa, uma atividade puramente gerencial que deve ser deixada a empresários e afins. Como consequência, os grandes problemas deixam de ser políticos, sociais e econômicos e passam a ser unicamente pessoais desencorajando, portanto, projetos coletivos e agrupamentos reivindicatórios. Com o agravante ainda de que aquele que ousa criticar este processo de individualismo exacerbado e este domínio das tecnologias digitais estaria se opondo explicitamente ao progresso, à inovação e as comodidades da vida moderna.
Para o autor, é preciso recuperar os benefícios da tecnologia como uma força social emancipatória, tirando-a deste papel enganador enquanto instrumento poderoso a serviço do neoliberalismo. Ele contesta com argumentos convincentes o otimismo desmedido em torno de tecnologias propícias à formação de monopólios e ao controle perigoso de todas as esferas da vida. Acerca da hipocrisia reinante nas declarações das elites e das empresas no tocante às fakenews, Morozov faz o seguinte raciocínio provocador: “Assim como as alterações climáticas são o subproduto natural do capitalismo fóssil, as fakenews são o subproduto do capitalismo digital.”
A democracia não pode ser entregue aos algoritmos, pois assim esvaziaria a esfera dos debates públicos e se extinguiria. Só as ações coletivas podem manter a democracia viva. Ao consumismo desenfreado de informações e notícias falsas e à ditadura dos algoritmos, ele opõe a necessidade de taxação e de regulamentação dos grandes oligopólios da tecnologia digital, a par da necessidade de ampliar o conceito de cidadania e de estimular o senso crítico e a capacidade de discernimento da maioria da população. Tarefa difícil, mas não impossível. Portanto, pensar, refletir e discernir ainda é o melhor remédio. Não deixe de ler!
* Gestor Cultural, Diretor de Teatro, Dramaturgo, Professor e Tradutor de Alemão.