Por Fabrício Augusto de Oliveira*
O recuo de 0,1% do PIB no segundo trimestre deste ano no Brasil jogou uma ducha de água fria no otimismo que vinha demonstrando o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o desempenho macroeconômico do país em 2021. Adicionalmente, aumentaram as dificuldades do governo Bolsonaro de continuar alimentando a esperança de viabilizar sua reeleição em 2022, considerando que, pelo andar da carruagem, pode haver uma reversão, no segundo semestre do ano, das projeções que vinham sendo feitas, pelo mercado, de que o PIB conheceria uma expansão no mínimo de 5%, retornando praticamente ao patamar do final de 2019, o que se não representasse nenhum ganho, pelo menos recolocaria o país na mesma situação anterior à pandemia. Nem mesmo isso, no entanto, parece estar mais garantido a julgar pelos últimos números divulgados do PIB. Vários fatores podem ser apontados para explicar essa possível mudança de cenário e o maior pessimismo dos agentes econômicos sobre o desempenho esperado para a economia tanto em 2021 como nos anos seguintes.
O primeiro, e provavelmente o mais relevante, pela importância que representa para os investimentos na economia, diz respeito ao “desencanto” tanto do sistema produtivo como do mercado financeiro com o governo Bolsonaro e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, dada sua falta de empenho e incapacidade de realizar as reformas inicialmente prometidas e também pelos estragos que o presidente vem fazendo no cenário político ao manter fortes as tensões entre os poderes e ameaçar insistentemente os pilares da democracia. Os manifestos divulgados pelos empresários do agronegócio, das instituições financeiras e da indústria, revelam que, quem comanda de fato a economia, está retirando o apoio ao governo diante de seus atos tresloucados contra as instituições democráticas e por sua incapacidade, e aqui também se inclui principalmente o ministro da Economia, de apresentar um plano consistente para a retomada do crescimento, juntamente com a realização das reformas necessárias para garantir sua sustentação. Um indicador de que o empresariado não estará disposto a correr riscos na realização de novos investimentos, pelo menos enquanto perdurar este quadro de incertezas políticas e de indefinição da política econômica.
O segundo se refere às condições macroeconômicas que se deterioraram muito rapidamente e estão exigindo uma mudança radical da política econômica para uma direção que prejudica – e muito – o crescimento econômico. Contrariando as expectativas do início do ano, a inflação alçou voo e já atingiu, até julho, o nível de 4,76%, superior ao que se registrou em todo o ano de 2020, e, no acumulado de doze meses, 8,99%, bem acima do teto da meta de 5,25% prevista para 2021. Apesar de o mercado projetar uma taxa de inflação de 7,27% para o ano, dois pontos percentuais acima do teto da meta, pode-se dizer ser otimista essa projeção. Em primeiro lugar, por continuar forte a elevação dos preços, principalmente em virtude da crise hídrica e da instabilidade cambial em parte causada pelos solavancos políticos causados pelas falas do presidente da República; em segundo, por estar se tornando, em todo este processo, mais forte o componente inercial da inflação, que garante sua transmissão para o futuro.
O comportamento imprevisto da inflação tem, como consequência, exigido das autoridades econômicas, promover rodadas de elevação da taxa de juros Selic, atualmente no nível de 5,25%. Projeções do mercado financeiro indicam que a mesma poderá chegar a 7,5% no final do ano, prejudicando o consumo e os investimentos, mas essa projeção também pode ser vista como otimista, caso a inflação continue em aceleração, não se podendo descartar que a mesma chegue a 9-10% para conter a elevação dos preços, minando, neste caso, a forças do crescimento.
À essa deterioração do quadro macroeconômico se soma a fraqueza do mercado de trabalho como trava de um crescimento mais sustentável e robusto. Apesar da expansão ainda prevista de 5% do PIB em 2021, a taxa de 14,1% de desemprego ainda é superior à de 13,3% do período pré-pandemia. E, quando se considera a força de trabalho subutilizada, que contabiliza também os trabalhadores que estão vivendo de bicos e os que desistiram de procurar emprego, este número avança para mais de 30%, equivalente a 32 milhões de toda a força de trabalho do país. A recuperação mais lenta do setor serviços, o setor mais dependente do avanço e conclusão do processo de imunização da população contra a Covid-19, explica, em boa medida, o desempenho deste setor e também as dificuldades que continuarão existindo para a maior geração de empregos.
A essas dificuldades ainda se sobrepõe a questão fiscal. Embora a deterioração fiscal não tenha ganhado a dimensão prevista com a pandemia, devido principalmente ao melhor desempenho da receita em 2021, com a dívida líquida do setor público (DLSP) tendo atingido 60,3% do PIB e a dívida bruta do governo geral (DBGG) 83,8% no mês de julho, o maior temor do mercado é que Bolsonaro, de olho nas eleições de 2022, tem acenado com uma política fiscal populista, contando com o apoio de Paulo Guedes, para recuperar os índices de popularidade perdida e, com isso, agravar ainda mais o descontrole das contas públicas, conduzindo o país para uma situação de insolvência.
Independentemente de todas essas adversidades para seu projeto político, o maior inimigo de Bolsonaro é ele próprio. Inconformado com sua progressiva queda nas pesquisas eleitorais, que já o colocam em situação desfavorável contra todos os outros candidatos potenciais à presidência, tem insistentemente ameaçado o país com a realização de um golpe de Estado, antevendo sua derrota e, com isso, cavando sua própria sepultura política. Mesmo contando com o apoio de alguns poucos e fanáticos segmentos que dão ouvidos às suas sandices, são pequenas as chances de que conseguirá ter sucesso em seu sonho de criança de implantar uma nova ditadura no país.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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