Frederico Bussinger*
Na antevéspera da audiência pública para desestatização (privatização) da Autoridade-Administradora Portuária – AAP de Santos, agora anunciada para outubro próximo, o modelo condominial de administração volta ao palco: “Estamos maduros para a autogestão de condomínios portuários?”, pergunta Montenegro em seu recente artigo (A Tribuna-25/AGO) para, socraticamente, concluir que sim. Inclusive usa como exemplo e paradigma o modelo proposto pela própria SPA (ex-Codesp) e MINFRA para a Ferrovia Interna do Porto de Santos – FIPS.
Corroborando a conclusão do bem elaborado artigo, vale lembrar que tal modelo não é apenas uma mera proposta ou hipótese: há experiências de compartilhamento de infraestruturas e/ou gestões compartilhadas em portos públicos brasileiros há bastante tempo; algumas desde o século passado. É o caso do Tegram no Porto do Itaqui-MA, de São Francisco do Sul-SC, do “pool” da Ponta da Praia em Santos-SP, para citar alguns voltados à operação portuária.
E, mesmo, da própria Portofer, cuja decisão governamental antecipada de não lhe renovar o contrato, com base em orientação do TCU, ensejou a concepção da FIPS: seu contrato, de 28/JUN/2000, foi firmado entre a Codesp e todas as operadoras ferroviárias que na época atuavam no Porto (Ferroban, Ferroeste e Ferronorte); exceto a MRS, gestora da “Ferradura” (reduzida), que declinou do convite para integrar o consórcio/condomínio. Se hoje a gestão da Portofer cabe à Rumo Logística é porque, ao longo do tempo, foi a empresa que resultou de sucessivas aquisições e consolidações: o contrato original era um “arranjo associativo”; para usar o termo atual. Como subsídio à discussão que retorna, vale lembrar ainda:
• O sistema elétrico, mencionado pelo artigo como uma referência conceitual, talvez tenha mais diferenças que semelhanças com o universo portuário. P. ex: não se apregoa “concorrência intra e inter-portuária” como um objetivo? Pois é: a lógica do ONS, e do próprio sistema elétrico integrado, como ali bem descrito, é justamente o inverso: cooperação entre as partes. Dessas premissas, distintas, decorrem/derivam diversas outras diferenças relevantes.
• Santos Brasil, BTP e DPW são todos privados: não é a propriedade que os distingue. Nem mesmo a função e forma de atuação no setor (igualada pela Lei dos Portos vigente). Mas sim o regime a que estão submetidos, apesar de distarem apenas algo como 1 ou 2 milhas náuticas, e fazerem uso da mesma infraestrutura aquaviária: os dois primeiros são um arrendamento, resultante de licitação; enquanto o último, outorgado por autorização (contrato de adesão), é um terminal “de uso” privado (art. 2º-IV da Lei; e não “terminal privado”) – detalhe que faz diferença! Ou seja, são dois regimes que, para além do processo de outorga, como é sabido e constatado até pela recente auditoria operacional do TCU, têm regras e condições distintas: prazos, existência (ou não) de valor de outorga, tarifação (de uso de infraestrutura básica, como nos casos de Itajaí e Santos), governança, regulação, etc.
O modelo proposto para a FIPS, agora tomado como benchmarking, é bom lembrar, precisou superar algumas barreiras, cujo histórico e detalhes estão descritos no Ato Justificatório da documentação para sua Audiência Pública, ocorrida no início deste ano. Tais barreiras são em muito similares às encontradas por um Grupo de Trabalho, criado pela SEP, há alguns anos, para examinar a adoção de modelo de gestão condominial para as AAPs: a conclusão do GT foi negativa; essencialmente por não ter vislumbrado, à época, forma de outorga sem licitação específica.
No caso da FIPS, após descartar duas alternativas, estabeleceu-se como modelo a outorga dos “ativos ferroviários” do Porto a uma SPE constituída pelos concessionários ferroviários. Isso por “dispensa de processo competitivo” (licitação ou leilão), com base no conceito de “oportunidade de negócio” (Lei nº 13.303/16, art. 28, § 3º, II; e § 4º). Este, interpretado pelo Enunciado 27 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, de AGO/20. Como se vê, conceitos, normativas e interpretações bem recentes.
Bingo! Então estão superados os entraves para uma gestão condominial de outorgados (concessionários) pré-existentes? Se sim, e caso se insista no desiderato de desestatizar (privatizar) a AAP de Santos (na contramão da predominante tendência mundial), por que não se adotar para tanto também um “arranjo associativo”, como o definido para a FIPS? Ou seja: por que não uma SPE com a participação dos outorgados do Complexo Portuário de Santos: arrendatários e autorizatários (operadores e TUPs)?
Neste caso, ainda mais, reforçaria a justificativa o fato de uma AAP ser, antes de mais nada, uma função (e não um “ativo” a ser explorado). Assim, a participação de arrendatários e operadores (mesmo TUPs contíguos) não seria um direito, um privilégio; mas uma obrigação adicional e acessória às contratualmente já definidas.
A diferença para os condomínios “greenfield”, e inteiramente privados, que vêm sendo implantados, como Porto do Açu-RJ, Porto Central-ES e Terminal Portuário de Alcântara-MA, é que nesses casos o gestor é o empreendedor que o concebeu e o implantou. Já no caso de portos tradicionais, estabelecidos há décadas, na hipótese de o poder público descartar o exercício da função de AAP, a gestão seria feita por uma SPE constituída pelos outorgados: a quem interessa mais que a infraestrutura básica e os serviços condominiais funcionem bem? Por que trazer-se um terceiro, eventualmente estranho; principalmente considerando-se ser (e ter que ser!) seu foco principal a exploração dos ativos (e não o exercício da função)? Eles poderiam criar barreiras à entrada; é a principal crítica. Há como minimizar-se esse risco: delegando-se à SPE apenas o gerenciamento da infraestrutura e dos serviços existentes. Seria mantido com o poder público (preferencialmente local) decisões de expansão.
Em síntese, respondendo à pergunta original, a gestão condominial certamente é modelo a ser considerado para as AAPs. Inclusive há variantes no caso de Santos; como: i) uma SPE para gerir toda a malha ferroviária da Baixada Santista; ou seja, tanto a FIPS como a FEPS; ii) no limite, poder-se-ia pensar, até, em um “arranjo associativo” único para gerir, integradamente, as infraestruturas e serviços ferroviários e portuários; como em diversos portos pelo mundo.
Por partes! Inicialmente por que não se cotejar os dois modelos para a AAP; seja nas análises, seja nos debates com as diversas partes interessadas (stakeholders)?
Fica como uma contribuição antecipada para a Audiência Pública!
* Engenheiro Eletricista e Economista, Pós-graduado em Engenharia, Administração de Empresas, Direito da Concorrência e Mediação e Arbitragem.
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