Por Guilherme Henrique Pereira*
Na última semana o Governo Estadual lançou o projeto denominado UniversidadES. Apresentado com pompas e anunciado como atendimento de um sonho da juventude capixaba desde longa data.
De fato, há décadas que a juventude capixaba pauta a sua demanda por mais vagas no ensino público universitário e os Governos Estaduais sempre foram absolutamente insensíveis a este pleito, mesmo diante da constatação de que no ES tínhamos a menor oferta de vagas públicas por pessoa na faixa etária do ensino superior – 18 a 24 anos e que era o segundo Estado brasileiro que não tinha sua própria universidade e dos poucos onde só existia uma Universidade Federal.
Entre 2004 e 2015 muitas coisas mudaram por aqui: houve uma expressiva expansão de vagas ofertadas pela UFES e mais significativa ainda a expansão do IFES em ensino superior. Complementadas por ofertas de bolsas para graduação em faculdades privadas. Um olhar apenas pelo lado quantitativo, provavelmente constatará que o problema de oferta de vagas, se não foi totalmente atendido, alcançando os mesmos patamares relativos encontrados em outros estados, já não é mais a grande preocupação. No entanto, a mobilização de segmentos da juventude continua demandando a nossa Universidade estadual.
Em todo este tempo muito se ouviu em conversas formais e informais ou mesmo seminários, ou se leu em diferentes veículos sobre este projeto, alguns a favor e muitos contra ao projeto da Universidade Estadual.
Entre os contra, as afirmações mais comuns era de que o ES não dispunha de recursos financeiros para sustentar uma Universidade. Argumento que nunca se sustentou de fato, tanto porque o investimento e a manutenção nem é tanto assim, quando comparamos entregas de serviços para a população com outros estados nos quais, dentre diversas entregas importantes, a oferta de vagas estaduais no ensino superior é significativa, mesmo na presença de várias unidades federais nos demais estados. Além disso, a economia do ES expandiu-se nos últimos anos o que lhe proporcionou um notável aumento de receitas que lhe permite acumular superávits. Portanto, se este já era um argumento falso, agora está visível para todos a verdade. O ES tem caixa bastante para suportar um projeto promotor do desenvolvimento baseado na produção do conhecimento.
Outro argumento colocado nos últimos anos é de que o ES já está plenamente atendido com a eficiência das escolas privadas que cresceram e também com o Nossabolsa, com a expansão da Ufes, do IFES e das ofertas ensino à distância (EAD). É verdade que a quantidade de vagas disponíveis se ampliou significativamente nos canais citados. Todavia, ainda temos mobilização da juventude em torno do projeto, logo não há o sentimento de que há vagas suficientes no segmento público. Mas, estas modalidades de ofertas de vagas podem ser ampliadas facilmente e qualquer político com interesse em se eleger proximamente poderá em curtíssimo prazo turbinar as instituições existentes e atender a demanda.
O lamentável nestes argumentos apresentados é a superficialidade das análises quantitativas. Talvez até mesmo irresponsabilidade na discussão da aplicação de recursos públicos, certamente influenciada pelo populismo político ansioso para uma nova oportunidade de capturar votos. Neste lado, parece estar os que são a favor da entrada do ES na oferta de vagas no terceiro grau espalhada territorialmente e com uma lista de programas oferecidos cobrindo todo o leque de profissões conhecidas, sem nenhum propósito desenvolvimentista claro ou pelo menos metas de qualidade a serem alcançadas.
Há também argumentos favoráveis que, mesmo considerando a análise quantitativa, também levam em conta requisitos de conteúdo e qualidade ampliando o debate.
É neste ambiente caracterizado por vários argumentos que o Governo Estadual acaba de lançar o seu projeto. Quem esteve atento às falas durante a solenidade de apresentação percebeu duas visões distintas: a oficial, mostrando que será estruturado uma plataforma na qual os interessados poderão ter acesso a cursos de diferentes instituições capixabas com a novidade de acrescentar ofertas de instituições de outras localidades. O apresentador teve o cuidado de informar que se tratava de um “sistema de universidades”, fala sútil que parece ter passado despercebida pela maioria dos presentes, mas deixa claro de que não se trata de uma nova instituição.
De outro lado, as intervenções que seguiram se esforçaram em elogiar e agradecer a iniciativa de Governo que acabava de atender um sonho antigo e agora brindava os capixabas “tornando realidade a Universidade Estadual”.
Concretamente, não foi apresentada uma nova instituição com seus objetivos estratégicos, projeto pedagógico, qualificação de dirigentes, pré-requisitos para corpo docente, especialidades focalizadas, linhas de comprometimento com a realidade local, etc., o que parece confirmar a ideia percebida de que se trata apenas de um grande portal para a “venda” de cursos produzidos alhures e sem nenhum comprometimento com o desenvolvimento e a realidade local.
Deixando de lado o que estamos assistindo, a pergunta que se impõe é: por que o ES precisa de uma Universidade Estadual?
Talvez fosse pela busca de resposta a esta pergunta que o debate deveria ter começado. Não se sabe se houve este debate, mas é fácil compreender que uma análise apenas quantitativista das vagas ofertadas, conclua-se de que não é necessária uma Universidade Estadual, logo não seria bom nem puxar o debate por aí, até porque a decisão política de fazer já estava tomada, dada a avaliação de que tem eleitores interessados neste projeto e muitos votos a serem capturados.
No entanto, entre outras conversas ouve-se que o debate é necessário. Aí estão os que entendem que os Governos Estaduais precisam investir na formação das futuras elites dirigentes e pesquisadores. Um projeto que não envolve rios de dinheiro, mas de decisivo sentido estratégico para o futuro de uma sociedade. Implantar o ensino superior é mais que reproduzir em portais o conhecimento existente nos manuais das diversas carreiras profissionais. É mais que disseminar mais do mesmo até porque, como disse certo interlocutor qualificado, a escolha do “mesmo” a ser multiplicado pode não ser o que existe de melhor, como parece ser o caso desse projeto.
De fato, para esse grupo de opinadores, ensino superior deve significar a constituição de massa pensante, significa organizar um conjunto de pessoas altamente qualificadas para pensar transformações no ambiente ao seu redor, facilitando a geração e a disseminação do progresso técnico, impulsionando o desenvolvimento intelectual e o avanço do processo civilizatório de sorte que o bem-estar das gerações futuras seja cada vez mais saudável e prazeroso. Isso pode ser realizado. Isso não consome montanhas de dinheiro. Talvez não deva ser Universidade no sentindo geralmente lembrado, mas uma instituição com cultura organizacional própria de um projeto estratégico para determinada região, com cientistas que pesquisarão a realidade local e com ela se comprometerão. Algo que mereça o título de instituição de ensino e pesquisa com recursos e cabeças voltadas para a formação de cientistas e dirigentes qualificados além de comprometidos com as pessoas em seu território.
O resto pode ser “tiro no pé” que será disparado assim que a sociedade e a juventude descobrir exatamente o que temos por trás das notícias.
Foto: reprodução internet ( Flickr/Bilal Kamoon)
*Economista e Professor Universitário.