Por Erlon José Paschoal *
Ler poesia é sempre um exercício prazeroso de embate e de envolvimento com as palavras e com as infinitas possibilidades que elas têm de nos remeter a novos mundos, a novas realidades e a ampliar a nossa percepção de tudo o que nos rodeia.
As palavras e suas reverberações são a matéria-prima do poeta, tal como os sons e suas combinações formam o manancial de criação dos músicos. Em suma, ler poesia será sempre um desafio, um momento de superação da linguagem habitual e de deslumbramento para quem ama e admira o poder das palavras.
A escritora, atriz e poeta Ingrid Carrafa acaba de lançar o seu terceiro livro de poesia pela Editora Maré, com prefácio de Bernadette Lyra tendo como ilustração de capa uma pintura de Caio Cruz. Trata-se da obra “E Quando Borboletas Carnívoras Dançam no Estômago” que, como o próprio título já anuncia, se compõe de versos vigorosos, viscerais e insubmissos.
Os versos que se transformam em prosa que se transformam em versos desnudam as forças e fraquezas da mulher em uma sociedade machista, desumanizada e hediondamente desigual. O Eu lírico mutante e desafiador é a mulher diaba, é Maria Madalena não arrependida, é Frida, é Pagu, é Dalila, é Joana D’Arc, é Leila Diniz, é Luz del Fuego, é Geni…, mas não joguem pedras nela, porque ela reage, ela revida, ela é indomável e aguerrida.
Ela é ré confessa, mas grita, escarra e cospe. Ela é um barco vazio à deriva, uma clandestina num navio de luxo e cata palavras no lixo, mas também trepa com as palavras e tem um orgasmo de poesia. Pediram que ela desistisse dos próprios sonhos, mas não deu certo, porque ela tem um corpo afetado pela poesia, e hoje ela caminha de cabeça erguida, alforriada e com a certeza de que é sagrada, é venusiana. Afinal suas cicatrizes emocionais foram suturadas com poesia, pois na maioria das vezes em que a vida a violentou ela concebeu poesia.
E com ousadia e sem falsos moralismos ela não desistiu e teima em enfrentar o mundo armada de poesia, nestes nossos tempos inglórios em que desnudar a alma é, sobretudo, um ato de coragem. Ela se juntou aos anjos que guardam orgasmos e poesia. Por seus versos passam a pobreza, a carência, a insanidade, a paixão, a entrega, a vontade de viver, as relações interrompidas, as drogas, a bebida, a dança, o fogo e o riso retumbante.
“O que será, que será, que está no dia a dia das meretrizes, no plano dos bandidos, dos desvalidos, em todos os sentidos?” Como cantou certa vez Chico Buarque de Holanda. O que será que o Eu lírico tanto procura e tanto deseja? “Os sentimentos vastos não têm nome” escreveu certa vez Hilda Hilst, escritora paulista de quem a autora utiliza uma frase como epígrafe deste seu livro.
Apesar de jovem, Ingrid Carrafa demonstra muita maturidade e muita desenvoltura com as palavras. Ela produz uma poesia que vem da alma, do coração, dos órgãos genitais e do estômago, como borboletas furiosas e rebeldes esvoaçando e dançando a dança do amor e da liberdade. É poesia urgente que atrai e sacode o leitor.
* Gestor Cultural, Diretor de Teatro, Dramaturgo, Professor e Tradutor de Alemão.