Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Bolsonaro precisa desesperadamente de contar com o crescimento econômico em 2022 para reverter sua queda de popularidade e ter alguma condição de se reeleger, objetivo que vai se tornando cada vez mais difícil. Paulo Guedes, o ministro da Economia que vive no mundo da fantasia e se tornou um mercador de ilusões acha que dá, prometendo que o crescimento do próximo ano será o dobro do que prevê o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que significaria uma expansão de pelo menos 3%. Não é bem o que pensam, além do FMI, grandes empresas de consultoria, bancos e também os economistas que elaboram o Relatório Focus do Banco Central.
Embora Guedes encha a boca para dizer que o Brasil se encontra em forte trajetória de expansão em 2021, crescendo acima da média dos emergentes, com uma taxa projetada de 5,2%, depois de ter sofrido uma queda de 4,1% em 2020 devido à pandemia, e que muito dessa força deve se repetir em 2022, não é o que mostram as projeções divulgadas pelo FMI.
Com previsão de que a economia mundial deverá crescer 5,9% neste ano, acima, portanto, do nível projetado para o Brasil, de 5,2%, para o FMI o crescimento do país ficará abaixo do previsto para a Índia (9,5%), China (8%), México (6,2%), praticamente equiparando-se ao da África do Sul (5%) e próximo do da Rússia (4,7%). Em relação aos países desenvolvidos, essa distância do crescimento é também considerável, à exceção das projeções feitas para a Alemanha (3,1%) e Japão (2,4%) que devem ter uma performance pior que a do Brasil.
Para 2022, a expectativa é que o Brasil carregue a lanterna do crescimento entre os emergentes e enfraqueça ainda mais a sua participação relativa no PIB mundial. Com a previsão de que o mundo cresça 4,9% e o Brasil apenas 1,5%, novamente deverá ficar bem abaixo do desempenho da Índia (8,5%), China (8%), México (4%), mas também da Rússia (2,9%) e África do Sul (2,2%). Entre os desenvolvidos, a previsão é que, neste ano, o país também será superado pelo crescimento da Alemanha, com uma taxa projetada de 4,6%, e do Japão, com 3,2%.
Outras instituições veem com maior pessimismo o desempenho da economia brasileira em 2022. As projeções feitas pelo Bradesco, Goldman Sachs, Capital Economic, Fitch Ratings e Nomura oscilam entre 0,8% e 1,9%, mas já há bancos, como o Itaú, por exemplo, prevendo uma contração de 0,5% do produto. Na mesma linha desse maior pessimismo, incluem-se também os economistas que fornecem elementos, com base em suas expectativas, para a elaboração do Relatório Focus. A partir do mês de setembro deram início à revisão das projeções do PIB que andavam, no mês de janeiro, em 2,5%, e a reduzi-las semanalmente. No Boletim Focus do dia 22 de novembro, a projeção do crescimento de 2021 já se encontrava reduzida a 4,8%, enquanto a prevista para 2022 recuara para 0,7%. É muito pouco para alimentar os sonhos de reeleição de Bolsonaro e para confirmar o otimismo fantasioso de Paulo Guedes.
Não são projeções infundadas. Embora tenha se saído relativamente bem na pandemia com a implementação forçada de uma política keynesiana que sustentou em parte o consumo das famílias com o auxílio emergencial e impediu o segmento das micro e pequenas empresas de naufragar com a oferta de crédito, a economia brasileira viu-se mergulhada no mar revolto da desconfiança sobre o seu futuro devido a uma série de choques e de problemas.
Em primeiro lugar, porque o governo após a reforma da previdência não conseguiu emplacar mais nenhuma proposta importante de modernização da economia e do setor público para acalmar o mercado e recuperar sua confiança, sabendo-se que isso não mais será possível no mandato do atual governo. Em segundo, porque as fricções provocadas pela pandemia, apesar de não terem provocado um desastre como inicialmente se esperava, produziram resultados bem ruins para o mercado de trabalho, mantendo uma taxa de desemprego de 13-14% da força de trabalho ou de 14 milhões de desempregados (30 milhões se se incluir a população subutilizada neste contingente), sem muita perspectiva de redução no curto/médio prazo, limitando a demanda agregada e, consequentemente, a renda e o crescimento econômico.
A estes problemas agregou-se um inesperado aumento da inflação que tem mostrado uma certa resiliência mesmo com o torniquete monetário que voltou a ser praticado pelo Banco Central. Pressionada pelo aumento da demanda principalmente por alimentos na pandemia, pela crise hídrica no Brasil, que elevou expressivamente o preço da energia, e pelo aumento dos preços da commodities na economia mundial, que empurrou os preços dos combustíveis para cima, acompanhado de uma desvalorização do real frente ao dólar, a inflação levantou voo e, de acordo com as projeções do mercado financeiro, deve bater em 10,12% este ano, superando – e muito – a meta de 3,75%, enquanto para 2022 a previsão, por enquanto, é de que atinja 4,96% contra uma meta de 3,5%. Ora, nessa situação, não há como o Banco Central deixar, como manda o figurino ortodoxo, de dar continuidade à elevação da taxa de juros Selic, prevendo-se que a mesma possa chegar a 11,25% em 2022, retirando progressivamente forças do consumo e do investimento e, portanto, do crescimento.
A essas condições nada favoráveis, ainda se soma a insistência do governo, contando com o apoio do Congresso, de lançar-se na aventura de furar o teto dos gastos primários e/ou de dar uma espécie de calote no pagamento dos precatórios para viabilizar a criação do “Auxílio-Brasil”, um programa de cunho essencialmente eleitoral para tentar viabilizar a reeleição de Bolsonaro. A falta de compromisso com um mínimo de disciplina fiscal e a irresponsabilidade que governo e Congresso têm demonstrado em relação à questão fiscal em nome de interesses particulares de seus membros, só aumentam a desconfiança do mercado de que a economia está sendo conduzida para o desastre. Diante disso, qualquer esperança nutrida pelo governo de que 2022 pode se tornar seu aliado para a reeleição não passa de uma grande ilusão. Felizmente.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil”.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!