Por Guilherme Narciso de Lacerda*
As empresas são corpos vivos que precisam ser tratados com cuidado, rigor técnico e ético para serem preservadas. Se não houver uma vigilância permanente sobre as suas transformações ela fenece e destrói valores construídos por longos períodos. Para empresas familiares o cuidado deve ser redobrado.
Um exemplo desta realidade é a Itapemirim. Ela foi por várias décadas uma das principais empresas capixabas, estando no topo das mais admiradas pela sociedade. O seu fundador aproveitou oportunidades e fez de uma empresa local uma referência nacional no setor de transportes. Entretanto, uma sequência de erros na gestão foram corroendo as energias que a empresa possuía.
A sucessão gerencial na administração corporativa é um grande desafio nas empresas familiares. Por isso, é imprescindível não misturar sentimentos e relações pessoais com a missão e a estratégia da empresa.
Os desdobramentos recentes da decadência da Itapemirim têm impactos perversos sobre milhares de famílias que se fiaram nos serviços oferecidos pela empresa.
As razões para os acontecimentos que levaram à ruina da Itapemirim estão relacionados à gestão da empresa, mas também precisam ser considerados os aspectos conjunturais e legais associados ao plano de negócio da empresa, aprovado pelos credores e sancionado pela justiça.
Como explicar que uma empresa em Recuperação Judicial consegue autorização para abrir uma empresa de aviação comercial com um capital irrisório, do tamanho exigido para abrir uma lanchonete, e no pior momento vivido pelo setor? O mais grave é que a ANAC, a agência regulatória do setor, apoiou o projeto sem mais nem menos; depois o evento ainda foi comemorado pelo Ministro da área e também pelo principal mandatário do País.
Os dados que vieram à tona sobre o empresário que adquiriu a empresa por um valor simbólico de R$1,00 suscitam interrogações e demonstram que o discurso tosco de que a solução para tudo é liberar os mercados não se sustenta na realidade dos fatos. Quando tais problemas ocorrem os cidadãos brasileiros, consumidores e portadores de direitos, ficam em situações de fragilidade para enfrentar os abusos econômicos de grupos e pessoas de duvidosa retrospectiva ética e gerencial. O imbróglio gerado pelo cancelamento de voos da natimorta empresa aérea se soma aos impactos sobre os milhares de consumidores que adquiriram passagens rodoviárias da tradicional Itapemirim e, de uma para outra, são informados da suspensão dos serviços.
Há várias questões que ainda estão sem respostas. O noticiário dá conta de que o Conselho Nacional de Justiça avaliará a autorização judicial concedida à empresa para abrir uma nova frente de negócios sem as condições apropriadas.
É preciso aprender com os erros. A marca Itapemirim foi grandiosa e, lamentavelmente, esvaiu-se com repercussões perversas não só para os consumidores, mas também para o próprio setor e para a comunidade empresarial capixaba.
* Guilherme Narciso de Lacerda, doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após.) Departamento de Economia da UFES. Foi diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, recém-publicado pela Editora LetraCapital
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