Cuidar um dos Outros – Um Novo Contrato Social
Editora Intrínseca, Rio de Janeiro – 2021. - 335 páginas.
A Autora: Minouche Shafik
Nascida no Egito e logo emigrou para os Estados Unidos onde graduou-se. Em seguida transfere-se para o Reino Unido dedicando-se a uma pós-graduação em economia. Surpreendeu a todos quando aos 36 anos ocupou o cargo de Vice-presidente do Banco Mundial inaugurando uma carreira com passagens por muitos e importantes ocupações, lidando com grandes problemas políticos no mundo todo: Secretária do Departamento para o Desenvolvimento do Reino Unido, Vice-Diretora do Fundo Monetário Internacional e Vice-presidente do Banco da Inglaterra. Retorna a academia para ocupar a Direção da London School of Economics.
Resenha Por: Guilherme Henrique Pereira
Esta obra se insere na longa tradição de uma reconhecida instituição de ensino e pesquisa no tema das relações sociedade e estado. É a autora que registra “...muitas das ideias que moldaram o pensamento a respeito dos contratos sociais em todo o mundo surgiram na Escola de Economia e Ciência Política de Londres,...onde atuo como Diretora.”
A sua mensagem principal e fio condutor de todo o livro é sua afirmação de que de um século para cá as condições materiais, bem como as condicionantes culturais de suporte à sobrevivência e a convivência dos seres humanos transformaram-se profundamente e os contratos sociais ainda não deram conta destas transformações e precisam urgentemente serem repactuados. Tais transformações não são as novidades para os leitores, nem parece ser a sua contribuição. Porém, o alerta colocado de absoluta inadequação dos contratos sociais em todas as nações e o desafio pautado da urgente neceessidade de uma reconstrução, resumem a importante contribuição do livro.
No entanto, para acompanhar a trajetória do pensamento e dos argumentos em defesa de sua tese, é necessário começar pela explicação do conceito em estudo. Por isso, não é por acaso que o título do primeiro capítulo é uma pergunta: “O que é o contrato social?”. Nos demais capítulos centrais, como esperado, o leitor encontrará uma didática esolha de algumas dimensões representativas da vida social e econômica para objeto da análise das transformações que precisam ser consideradas na exata medida que impactam os acordos escritos ou tácitos de nossa convivência na atualidade.
“A forma como um sociedade está estruturada tem consequencias profundas na vida de quem vive nela e na arquitetura das oportunidades que surgem. Delimita não apenas as condições materiais mas também o bem-estar, os relaionamentos e as perspectivas de vida. A estrutura da sociedade é determinada por instituições como os seus sistemas políticos e jurídico, a economia e formas como a vida familiar e comunitária estão organizadas. ......As normas e as regras que estabelecem como essas instituições coletivas operam é o que chamarei de contrato social, que acredito ser o determinante de maior relevância no tipo de vida que levamos.”
Colocado o conceito, a autora acentua duas questões fundamentais sobre as quais discorrerá nas páginas seguintes: 1) Há significativas diferenças entre nações quanto ao contrato social: naquelas mais igualitárias e homogêneas do ponto de vista étnico, educacional e cultural, os contratos sociais são mais generosos quanto aos benefícios que a coletividade proverá para os cidadãos; O inverso se verifica nos países mais desiguais.; 2) Em muitas sociedades as pessoas estão decepcionadas, pois, esperam mais de bem-estar do que estão recebendo do contrato social que têm.
Apresenta vários exemplos e estudos que confirmam os pontos acima e adianta a sua hipótese de importantes mudanças em dimensões diversas da sociedade e economia que tornaram os contratos sociais superados e que, portanto, requerem uma ampla revisão das instituições que condicionam a vida no estágio atual de nossa história. Para analisar essas transformações, didaticamente a autora escolheu dimensões da sociedade e da economia, correspondendo cada uma delas a um capítulo: 1. Filhos; 2.Educação; 3. Saúde; 4. Trabalho; 5. Velhice; 6. Gerações. Finalmente, no último capítulo (oitavo) alinhava várias ideias para um novo contrato social.
1. Filhos – Certamente como cuidar dos filhos é uma escolha individual, no entanto, essas decisões tem consequencias sociais. Os filhos que não recebem os devidos cuidados podem desenvolver dificuldades no desempenho futuro no aprendizado e no trabalho. Daí já plenamente ajustado de que o Estado deve fornecer suporte às famílias neste campo. Portém, qual é divisão de responsabilidade, de conteúdo e de provimento materiais entre família e Estado é assunto polêmico e há modelos muito distintos entre os países. Um ponto que parece consensual é de que o “cuidado com a criança não pode ser tratado como trabalho não remunerado, mas deve se tornar uma parte essencial de nossa infraestrutura social.” A participação crescente da mulher no mercado de trabalho, sem dúvida, tem grande relevância neste debate que já aponta para concluir que ....“ O maior envolvimento dos pais nos primeiros anos também traz benefícios evidentes para os filhos. Um contrato social que reequilibre as responsabilidades de cuidado entre homens e mulheres e converta o trabalho não remunerado das mulheres em trabalho remunerado tornaria nossas sociedades mais ricas e justas. Nosso filhos terão melhor desempenho acadêmico e psicológico se forem criados por pais comprometidos no início de suas vidas e se, depois disso tiverem acesso a creches de alta qualidade.”
2. Educação – um campo de investimento relevante para o desenvolvimento individual e também cumpre papel fundamental na preparação da futura força de trabalho. Enfatiza a importância dos primeiros anos de vida, a desejável formação continuada, a necessidade atual de revisão dos processos e metodos de aprendizagem; e a questão central do financiamento. Entende fundamental que um novo contrato social considere estas questões e principalmente corrija desigualdades no acesso ao conhecimento por ineficiências e injustiças impostas pelos mecanismos atuais de financiamento.
3. Saúde – Saúde é o determinante mais destacado do nosso bem-estar e está no topo das citações sobre felicidade. O debate no mundo inteiro é sobre se o gasto necessário deve ser mantido pelo poder público, se deve ser compartilhado e em que níveis. Em todo o mundo há definições de arranjos sobre este financiamento, mas pode-se dizer que por toda parte há pressão para mudanças devido ao envelhecimento da população e por conta de novas tecnologias. Na medida que aumenta a parcela de pessoas idosas os cuidados que devem ser disponilizados se ampliam também. As inovações em remédios e equipamentos, por um lado prolongam o tempo de vida, mas exigem também maiores gastos. O que deve ser fornecido pelo Estado de forma universal e que cabe deixar por conta do mercado, ao lado de mudanças fundamentais que provocam a elevação de gastos impõem reflexões sobre um novo contrato social em cada país.
4. Trabalho – “O modelo tradiconal de trabalho nas economias avançadas é a maioria dos adultos trabalhando em tempo integral e fazendo contribuições obrigatórias para a sociedade por meio de alguma forma de imposto sobre a folha de pagamento. Em troca, recebem seguro desemprego, aposentadoria e em alguns países seguro-saúde. Enquanto isso, nos países de baixa renda, a maioria da população trabalho na economia informal .....” sem acesso aos benefícios citados. No entanto, nos últimos anos o perfil dos trabalhadores mudou substancialmente: agora menos jovens e muito mais mulheres no conjunto dos trabalhadores; também as mudanças tenológicas impactaram fortemente no nível de qualificação exigida, além de alterações no forma to de contratação. Tudo isso deixa claro que novo arranjo de contrato social deve ser buscado, especialmente perseguindo o propósito de maior equilíbrio entre flexibilização, proteção do trabalhador e renda mínima.
5.Velhice – As questões neste tópico estão relacionadas básicamente com o financiamento das aposentadorias e a responsabilidade do cuidado dos idosos – tradicionalmente eram cuidados em casa pelas mulheres, mas agora grande parte delas estão no mercado de trabalho – Enfim, um novo contrato social precisa ser desenhado de forma a proporcionar maior segurança na velhice e um sistema que lhes permita viver em casa e de forma mais independente pelo maior tempo possível.
6. Gerações - No âmbito privado, o legado de pai para filho é algo bem pacificado, posto que os pais sempre querem o melhor para os filhos. No entanto, no contrato social a problemática é bem mais complexa. E na verdade, as gerações mais novas têm demonstrado insatisfação do legado que percebem que será deixado para elas. Também nesta dimensão, há um longo debate na perspecitva de redesenhar o contrato social para elimiar ou reduzir muito o potencial de conflitos ente as gerações que convivem na atualidade. O planeta (capital natural) que as gerações passadas e presentes deixarão como legado, é sem dúnica muito mais pobre. E este é um dos pontos cruciais para um novo contrato social.
Gerações:
1 Nascidos entre final da segunda guerra mundial e o início dos anos sessenta
Apelido: Baby boomers
Caracterísitcas
2. Nascidos entre 1966 e 1980
Apelido: Geração X
Característica: Beneficiaram de período de
crescimento; melhorias de salários e condições de vida;
3. Nascidos entre 1981 e 2000
Apelido: Millenials
Caracterísitica: Flexibilizaão do mercardo de trabalho;
4. Nascidos: Pós 2000
Apelido: Geraçã Z ou Zoomers
Caracterísitca: Vanguarda dos Protestos; insastifeita com destruição do planeta; Risco de estagnação nas condições de vida
Em síntese, é própria autora que registra os três princípios que sustentam toda sua argumentação:
“1. Seguridade social para todos. Deve ser garantido a todos um mínimo para se ter uma vida decente. ....
2. Investimento máximo em capacitação. A sociedade deve investir tanto quanto puder na criação de oportunidades para que seus cidadãos sejam produtivos e contribuam ao máximo para o bem comum. Ainda em prol do bem comum, a sociedade deve fornecer incentivos para reduzir o que queremos em menor quantidade, como as emissões de carbono e a obesidade. [para os brasileiros certamente há que se incluir menor violência]
3. Compartilhamento de riscos justos e eficiente. Muitos riscos vêm sendo tolerados no lugar errado e poderiam ser mais bem administrados se alocados de forma diferente entre indivíduos, famílias, empregadores e Estado.”
A autora consegue transmitir de forma didática e leitura muito agradável questões complexas, polêmicas e com muitas informações e exemplos mundo afora, além de deixar registrada uma rica lista de fontes e explicações complementares em mais de cinquenta páginas de notas.
As questões ou conflitos abordados são conhecidos. Mas, a autora os organiza de forma clara e objetiva de forma a explicitar o desafio que as gerações presentes devem enfrentar se desejarem uma sociedade melhor para seus filhos. No entanto, não fornece pistas de como viabilizar no plano político todas as transformações requeridas em nosso contrato social. Parece ficar sugerido que ela acredita que se todas as pessoas tomarem conhecimento dos conflitos e que juntos, cuidando um dos outros, poderemos construir uma sociedade melhor. Mas, isso seria muito ingênuo, pois sabemos que o modo de produção já secularmente estabelecido é, praticamente, o determinante do funcionamento da economia e sociedade. Os interprétes originários do capitalismo já propalavam que era o melhor sistema para as liberdades individuais, e que a busca do interesse individual é a principal mola para maximizar os resultados. Isso bate de frente com a possibilidade de uma onda de altruísmo contaminar toda uma sociedade para viabilizar o novo contrato social nos termos propostos.
Contudo, não posso deixar de recomendar a leitura deste livro. Nós necessitamos refletir sobre o tema exposto. Obrigado Minouch Shafik por esta obra que nos alerta com firmeza sobre o que precisamos mudar e que a defesa das liberdades individuais não pode descambar para o egoísmo desemfreado de um sitema de produção que gera a absurda desigualdade de bem estar que o mundo de hoje nos expõe.
Vitória, 14/01/2022.