Por Fabrício Augusto de Oliveira*
O Brasil não deve ter uma vida menos intranquila na economia em 2022, para não dizer na política. Uma avalanche de más notícias vindas do exterior, juntamente com expectativas internas do próprio mercado sobre o desempenho do PIB no ano indicam que o país está novamente ingressando numa onda recessiva com elevado nível de desemprego. Isso deve representar para o presidente Bolsonaro a pá de cal para sepultar, de fez, seu projeto de reeleição, e para o ministro da Economia, Paulo Guedes, o coroamento de sua liderança entre os piores ministros que o país já conheceu no comando da pasta.
Ex-Posto Ipiranga de Bolsonaro, Paulo Guedes não deve, por sinal, deixar nenhuma saudade e ser mais lembrado por algumas frases enganosas com as quais procurou enganar a população a respeito de sua competência. Em dezembro, logo após a divulgação de que o Brasil entrara em recessão técnica, depois de dois trimestres seguidos de contração do PIB (-0,4% no segundo trimestre e -0,1% no terceiro), saiu com essa: “o Brasil está condenado a crescer”. Hoje, o PIB brasileiro está no mesmo patamar do final de 2019 e 3,4% abaixo do alcançado no primeiro trimestre de 2014, mas, em termos per capita, está no mesmo nível de 2009. Ou seja, são praticamente dozes anos com o país parado no tempo, o que, tudo indica, deve continuar em 2022, apesar de estarmos “condenados a crescer”, segundo o ministro.
De acordo com as projeções divulgadas, no dia 17 de janeiro, pelo Boletim Focus do Banco Central, o PIB não deve crescer mais do que 0,29% no ano, mas essa ainda é uma projeção que se pode chamar de otimista. Embora algumas instituições internacionais ainda continuem projetando um crescimento de modesto 0,5% para o Brasil, a aposta do Banco Itaú é de que haverá, contrariamente a essas previsões, uma contração de 0,5%. Não são poucas as razões que explicam este quadro mais sombrio.
Internamente, embora se espere que a inflação entre em declínio, as projeções para a mesma ainda se situam no patamar de 5,09%, superior ao teto da meta para o ano de 5%. Mas, para diminuir sua força, a expectativa é de que a taxa de juros Selic continue sofrendo aumentos, devendo atingir 11,75% em 2022, o que significa maior desestímulo tanto para os investimentos como para o consumo, enfraquecendo, consequentemente, a atividade econômica.
Do ponto de vista do emprego, não existem perspectivas de sua redução para menos de 12% ou de 13-14 milhões da força de trabalho, isto sem contar o expressivo contingente que se encontra subutilizado, o que empurra este número para algo em torno de 30 milhões. Isso se explica, principalmente, pelo fato do setor serviços, o maior empregador de mão de obra e o mais afetado pela pandemia, estar encontrando grandes dificuldades para retomar suas atividades, principalmente se se considerar que a mesma deve continuar provocando estragos em 2022, em virtude da nova variante do vírus batizado de ômicrom.
Embora os resultados fiscais não tenham se mostrado tão ruins como se esperava em 2021, considerando que o país conseguiu até mesmo gerar um superávit primário de R$ 64,6 bilhões (0,8% do PIB) até novembro, contra um déficit de R$ 651 bilhões em 2021 e, com isso, reduzir o tamanho da dívida líquida do setor público (DLSP) para 57% (queda de 5,5pp em relação a dezembro de 2020, e a dívida bruta do governo geral (DBGG) para 81,1% do PIB (queda de 7,5pp) existem muitas incertezas sobre o desempenho das contas fiscais no ano. Isso, não somente devido à inevitável queda da receita esperada com a queda do PIB que se anuncia, mas também por se tratar de um ano de eleições, quando, tradicionalmente, as despesas costumam correr mais soltas.
Por outro lado, as projeções de crescimento econômico do mundo, tanto do FMI quanto do Banco Mundial, colocam-no no patamar de 4,6% e 5,6%, respectivamente, ou seja, bem distantes do previsto para o Brasil, que ainda é otimistamente de 1,5%. Projeções que, no entanto, estão apoiadas na hipótese de que a pandemia não provoque maiores problemas e que a situação tende, daqui para frente, se acalmar. Existem, no entanto, vários fatores que podem jogá-las para baixo e, com isso, afetar ainda mais a economia brasileira.
O primeiro, não por ordem de importância, se refere à inflação que disparou, de modo geral no mundo, exigindo dos países a implementação de políticas restritivas para reverter sua trajetória. Explicada como sendo predominantemente de oferta devido ao aumento da demanda e ao desalinhamento das cadeias produtivas provocado pela pandemia (de alimentos, petróleo, componente tecnológicos etc.), que catapultou o preço das commodities e provocou escassez de insumos no mercado internacional, o cenário continua de grandes incertezas sobre a sua trajetória e, portanto, sobre a força do crescimento mundial.
Duas outras questões são também motivo de preocupação para esse crescimento mais forte projetado para a economia mundial com impactos mais severos para as economias emergentes. Em dezembro de 2021, o banco central norte-americano sinalizou que encerrará, em março, as compras de títulos adotadas durante a pandemia e que deverá realizar três aumentos de 0,25pp nas taxas de juros até o final de 2022, medida que deverá ser mantida em 2023 e 2024, encerrando, assim, a política benigna de juros próximos a zero implementada durante a crise sanitária. Tal medida deve-se à pressão sobre o nível de preços que levou a inflação a superar a meta estabelecida de 2%.
A segunda deve-se à desaceleração da economia que vem ocorrendo na China devido especialmente à crise do mercado imobiliário, o que pode impactar sua demanda por commodities no mercado internacional e afetar seriamente as economias emergentes, reduzindo seus preços, que vinham em ascensão na pandemia e, consequentemente, seus níveis de crescimento.
Como se percebe, não bastassem as incertezas políticas colocadas para o país por se tratar de um ano de eleições, que encontram um presidente altamente fragilizado em suas pretensões de reeleger-se, o que pode levá-lo a cometer desatinos em relação às contas públicas e, com isso, piorar ainda mais as expectativas dos agentes sobre o seu desempenho econômico, somam-se, ainda, os ventos desfavoráveis – internos e externos - que sopram da economia para contrariar a fala enganosa do ministro de que “estamos condenados ao crescimento”.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
Foto: reprodução da internet.
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