Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Até o final de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro pode cometer crimes à vontade das mais diversas naturezas – ambientais, contra a educação, a saúde, a vida, a ordem constitucional, as minorias, dentre outros – sem correr qualquer risco de sofrer alguma punição. Se conseguir se eleger para um segundo mandato, o que hoje, felizmente, parece improvável, ainda disporá de mais quatro anos para continuar cometendo atrocidades para destruir o país sem que nenhum poder responsável por fiscalizar e condenar seus atos se disponha sequer a denunciá-lo, num país em que as autoridades públicas, sem ruborizar, continuam vendendo a ilusão para a população de que “as instituições democráticas estão em pleno funcionamento”.
Bolsonaro conseguiu, como nenhum outro presidente, tornar-se inimputável por seus crimes, aparelhando, de um lado, com seu pessoal de confiança, vários órgãos do Estado responsáveis por investigações dos malfeitos dos governantes, e, de outro, cooptando presidentes e dirigentes de outras instituições, casos mais claros do Congresso e do Judiciário, para sua grande aventura e desejo de avançar na destruição do país.
No Congresso, mais de 100 pedidos de impeachment dormitam na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, seu notório aliado, sem que este sequer se disponha a analisá-los, sob o argumento da inoportunidade dos mesmos no atual contexto de crise econômica e pandêmica vivida pelo país, sem que haja qualquer instrumento de ordem legal capaz de demovê-lo dessa decisão por mais insensata que seja.
No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF), supostamente guardião da Constituição, além de contar em seus quadros com ministros que comungam com sua ideologia, permanece de mãos atadas à espera de alguma iniciativa da Procuradoria Geral da República (PGR), comandada também por seu aliado, Augusto Aras, para deslanchar algum processo contra o mesmo. Mas Aras, por ele indicado para o cargo, tem simplesmente ignorado as denúncias que lhe chegam sobre os crimes cometidos pelo presidente, tratando-os como pequenos desvios insuficientes para justificar a abertura de qualquer processo ou simplesmente dando início ao que se chama, na PGR, de “investigações preliminares”, que, na prática, nada significam, por não irem para a frente, mas que servem como argumento de que a instituição está cumprindo seu dever constitucional. Não é nenhum exagero dizer que, para Aras, Bolsonaro é um santo.
Nada muito diferente ocorre no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), onde alguns ministros, sequiosos por verem seus nomes indicados para o STF, têm defendido, com tenacidade, os interesses do presidente e de seus familiares, seja apoiando-se em filigranas jurídicas para anular processos abertos contra os mesmos ou em desvios identificados no processo de investigação para derrubar as provas colhidas. Já o ministro da Justiça, especialmente a partir da substituição do ex-juiz Sérgio Moro da pasta por André Mendonça, passou a atuar mais como advogado particular de Bolsonaro do que propriamente como titular dessa pasta.
Mesmo em órgãos de controle interno, como a Controladoria Geral da União (CGU), responsável pela defesa do patrimônio público, pela transparência e pelo controle da corrupção, e de investigação, como a Polícia Federal, o controle de Bolsonaro parece absoluto. A CGU, embora abra uma ou outra investigação sobre alguma denúncia envolvendo quadros do governo, tem frequentemente dado entendimentos a favor de atos do governo, também atuando mais como advogado do presidente do que da União. A polícia Federal, por sua vez, volta e meia tem visto seus titulares, responsáveis por investigações que envolvem o presidente e sua família, substituídos sempre que as mesmas começam a avançar e a colocar riscos para sua prole. Já o exército, com vários de seus membros integrados e participando do governo, ainda que resistindo e barrando seus delírios golpistas, como ocorreu em setembro de 2021, ao ter-se rendido a Bolsonaro em algumas questões cruciais (substituição injustificável do alto comando das forças armadas, sigilo de cem anos do documento que decidiu pela não punição do General Pazuello por participar de um ato político com o presidente, por exemplo) perdeu força como instituição de defesa da democracia.
No último relatório sobre Índices de Democracia feito pela revista britânica The Economist antes de Bolsonaro ameaçar com um golpe a democracia, em setembro de 2021, o Brasil aparece classificado como uma democracia imperfeita, ocupando o 47º lugar entre 167 países pesquisados. Tudo indica que poderá descer mais alguns degraus na próxima pesquisa principalmente se perdurar a omissão dessas instituições na defesa da democracia no país.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, integrante do Grupo de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação”
Foto: reprodução da Internet
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