Por Ester Abreu Vieira de Oliveira*
Na Odisséia pode-se encontrar desditas que os deuses enviam aos homens para deixar no mundo temas para serem cantados. Frustrações há muitas entre os homens.
Relatam-se infortúnios com fidelidade à realidade histórica ou a uma recordação própria tornando o tempo circular que, conforme Jorge Luis Borges explica, em A História da Eternidade, que aquele que olhou o presente olhou todas as coisas tanto as que ocorreram no passado insondável como as que ocorrerão no futuro. Causos e causos nos mostram situações variadas desventurosas e muitas delas ocorrem por omissão de alguma ação do próprio receptor.
Neste relato podemos sentir que a falta de dizer o seu sentimento, ainda que se queira mostrá-lo em atos, traz infelicidade.
Originalmente, a palavra, exerceu a função de imagem enquanto som, enquanto imagem e ela deixa a quem a ouve um efeito de verdade. Ela é o âmbito do simbólico que pode ser bem ou mal interpretado, como ocorreu na premunição no nascimento de Édipo, na peça do dramaturgo grego Sófocles, que o levou a separar-se da mãe e passar anos depois a ser seu esposo. Mas Nossino não soube transmiti-la e perdeu a amada.
Viúvo, com poucos filhos e já criados, sonhava reconstruir o lar com uma moça bonita, e como se dizia “de família”. Ele já a tinha escolhido, desde o dia que a viu na janela.
Chapéu na cabeça, sorriso ligeiro nos lábios, montado em seu burrinho cinza, descia a serra, de trote manso, em direção à cidade, toda a tarde e, ao passar pela casa onde morava a moça de seus sonhos, sonhava vê-la outra vez e quando isso casualmente acontecia, nem boa tarde dizia só colocava a mão no chapéu num ligeiro movimento.
Risinhos disfarçados se ouviam durante sua passagem, mãos nas faces procuravam disfarçar, mas Nossino nem ouvia nem percebia esses movimentos, só via uma linda moça sorrindo para ele, acedendo o seu peito de calor.
Para o casamento sonhado mandou buscar na capital uma banheira e fez a canalização do grande fogão de ferro até o banheiro para que a gelada água da serra se aquecesse para o banho da amada. Chamou o melhor carpinteiro da cidade vizinha para com a tora da peroba da mata da fazenda construísse a cama, o toillette e as mesinhas de cabeceiras, estes móveis recobertos com mármore de carrara que comprou em São Paulo. Renovou as palhinhas dos móveis austríacos da sala e, na gaveta-cofre da mesinha onde estavam as jóias da falecida escolheu o anel de esmeralda com brilhante.
Pronto, pensou nada falta para o noivado.
Desceu a serra no seu burrinho de passo manso. Anel no bolso. Cabelo untado. Chapéu escovado. Terno branco de linho. Sorriso nos lábios. Olhos brilhantes. Entrou na cidade e se dirigiu para a casa da amada sonhada. Com a varinha golpeou o beiral da janela. Duas moças apareceram entre elas a amada. Tirou o anel do bolso e estendeu a mão. A moça dos sonhos mais atrevida que a outra apanhou o anel e disse: “Que lindo!. O senhor o está vendendo? Quanto quer por ele?”
Nossino nada soube dizer. Apanhou o anel e subiu a serra.
* Profa; Dra. Ester Abreu Vieira de Oliveira - Ufes – Presidente da AEl, pertence ao IHGES e à AFESL
Foto: Reprodução da Internet.
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