Por Erlon José Paschoal*
Neste momento em que o Brasil vai enfrentar uma eleição decisiva que pode mudar completamente sua História e comprometer o futuro das novas gerações, vale a pena ler a obra “Engenheiros do Caos” de Giuliano Da Empoli, lançada pela Editora Vestígio. O autor de origem italiana nasceu em Paris, onde vive, e foi Secretário de Cultura de Florença. A editora brasileira assim apresenta o livro: “Como as fakenews, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições”. A escolha pelo autor do termo “engenheiros” já sugere que o caos criado pela desinformação é algo construído intencionalmente de maneira científica e friamente calculado para manipular emoções e influenciar opiniões, o que pode mudar de maneira veloz uma sociedade aparentemente estável, incluindo aí o fanatismo religioso e o antiracionalismo.
Seus exemplos concretos que serviram como base de análise aconteceram sobretudo na Itália, nos EUA de Trump, na Hungria de Orbán, em Israel de Netanyahu, na Inglaterra do Brexit, sem deixar de citar os partidos de direita na Alemanha, na França de Le Pen e obviamente no Brasil de Bozonazi. Entre os “engenheiros” mais famosos aparece, sem dúvida, Steve Bannon, fundamental em quase todas as últimas eleições vencidas através da formação de grupos virtuais e reais mobilizados pelo ódio e pela discriminação. Vale lembrar que, em sua sanha de ampliar seus domínios para além de países específicos, Steve prestou serviços para Trump e para a familícia, e criou até mesmo a “Internacional dos Nacionalistas”, uma liga de extrema-direita, numa clara alusão a apropriação de ideais, de conceitos e de discursos marxistas e socialistas vigentes ao longo da História.
Utilizando toda a máquina disponível através das redes sociais e dos até hoje misteriosos algoritmos, os tais engenheiros construíram formas de espalhar notícias falsas, desinformação e calúnias personalizadas, endereçadas sempre a grupos e indivíduos específicos, com base nas análises dos perfis vendidas e negociadas pelos três conglomerados de comunicação: o Facebook, Whatsapp e Instagram, o Twitter e o Google. Difundindo slogans fáceis, títulos bombásticos e frases simples, mas sobretudo liberando o ódio, a raiva, e estimulando os insultos, as ameaças, as agressões e os ataques às instituições democráticas, os tais engenheiros têm obtido resultados surpreendentes.
A tática é empoderar pequenos grupos raivosos e violentos que, com suas perseguições e trollagens, visam à desunião e à polarização, ao invés de unificar, e através da força bruta mobilizar pessoas indecisas e dar a impressão de que são muitos, quase a totalidade da sociedade. O importante é ir aos extremos, propagar aberrações e desprezar os possíveis adversários, incitando assim likes, compartilhamentos, engajamentos e viralizações, afinal essa é a linguagem entendida pelos algoritmos. Nesses casos, a verdade não importa, o que vale é liberar os demônios e fazer da ignorância e da estupidez uma bandeira erguida com orgulho e arrogância, e assim jogar no lixo as regras básicas de decência, de decoro, de respeito pelo Outro e de honestidade, pois isso é para os fracos e para os perdedores.
É preciso ostentar a fúria, destruir o oponente, agredir as minorias e os fragilizados, insultar a tudo e a todos que pensam diferente, e também menosprezar a diversidade e a luta pela igualdade de direitos. Diz o autor: “Os engenheiros do caos compreenderam, portanto, antes dos outros, que a raiva era uma fonte de energia colossal, e que era possível explorá-la para realizar qualquer objetivo, a partir do momento em que se decifrassem os códigos e se dominasse a tecnologia.” O candidato à eleição orientado por esses engenheiros deve, entre outras coisas, vociferar todos os dias uma agressão desmedida, uma mentira descarada, que em seguida pode ser desmentida, e desprezar de maneira veemente a Ciência, a Educação, as Artes e tudo o que se refere ao conhecimento e à valorização do ser humano. Deve gritar, insultar e aparentar um poder descomunal quase sobre-humano, muito além do que realmente possui. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Essas mudanças na forma de fazer política, de disputar eleições e de exercer cargos eletivos são profundas e influenciam hoje todas as atividades e aspectos da vida social. Giuliano Da Empoli esclarece: “Ainda mais porque liberar os espíritos animalescos, as pulsões mais secretas e violentas do público, é relativamente fácil, enquanto seguir o caminho inverso é bem mais difícil. Trump, Salvini, Bolsonaro e os outros estão destinados, cedo ou tarde, a frustrar as demandas que geraram e a perder o consenso dos eleitores. Mas o estilo político que eles introduziram, feito de ameaças, insultos, mensagens racistas, mentiras deliberadas e complôs, depois te ter ficado à margem do sistema durante décadas, já ocupa o centro nevrálgico. As novas gerações que observam hoje a política estão recebendo uma educação cívica feita de comportamentos e palavras de ordem que irão condicionar suas atitudes futuras. Uma vez os tabus quebrados, não é mais possível colar de novo: quando os líderes atuais saírem de moda, é pouco provável que os eleitores, acostumados às drogas fortes do nacional-populismo, peçam de novo a camomila dos partidos tradicionais. Sua demanda será por algo novo e talvez ainda mais forte.”
Para o autor teremos de ser criativos, ousados e, até mesmo, subversivos para conseguir reinventar a política, controlar as novas tecnologias, que estão nas mãos de alguns poucos, e criar novas formas de se relacionar com a coisa pública. Não vai ser fácil, mas é preciso fazê-lo.
*Gestor Cultural, Diretor de Teatro, Dramaturgo, Professor e Tradutor de Alemão.