Por Frederico Bussinger*
As informações chegam a conta-gotas: passou-se a saber (AT- 4/AGO/22) que o “Governo estuda mudar regra do leilão do Porto de Santos”. Recentemente foram revelados alguns detalhes (AT – 9/AGO): “A participação de empresas instaladas no Porto de Santos no leilão de desestatização da Santos Port Authority – SPA, em até 100% de forma conjunta, porém limitada a 5% individualmente, está no rol de possibilidades analisadas pelo Governo Federal. A informação foi confirmada pelo secretário nacional dos Portos e Transportes Aquaviários, Mario Povia”.
Mais ainda: essa “possibilidade” conta com a ”simpatia” do secretário, como ele próprio antecipou no recente Santos Export (2:15:15). Já o modelo originalmente apresentado vinha encontrando resistências. Inclusive, foi considerado “um risco brutal” (“40% de participação dos operadores no consórcio e 60% na mão de investidores financeiros”) pelo CEO da DPW-Santos; participante do mesmo painel. O que diria, então, sobre o resultado do leilão da CODESA, com 100% de fundo de investimentos?
Se consumada, essa seria uma primeira grande mudança do modelo que há três anos vem sendo estudado. Uma verdadeira inversão: se aquele apresentado no início do ano estaria “empurrando o futuro concessionário para um modelo de investidor financeiro”, como avaliou o representante da Centronave na 2ª audiência pública, as regras ora em análise “empurram-no” para operadores pré-estabelecidos. Operadores, frise-se, que (explicitamente) o desejam e se movimentam nesse sentido!
Trocando em miúdos: na hipótese de o leilão chegar a ser realizado em 2022 o consórcio vencedor poderia ser composto por 20 ou mais operadores e arrendatários do Porto Organizado. Muito provavelmente também por TUPs do Complexo Portuário. E, quiçá, concessionários rodoviários e ferroviários. Há muito a ser esclarecido e detalhado sobre a proposta; mas a inflexão anunciada pelo secretário já é uma boa notícia: merece ser saudada!
Boa notícia por quê?
No mérito, porque contribui para maior consistência conceitual e técnica, transparência do processo e alinha melhor o binário problemas-soluções. P.ex: i) o caixa atual da SPA (R$ 1,5 bi) e suas receita próprias ao longo do período contratual (R$ 24 bi em valor presente) são capazes de bancar, e com sobras, tanto os R$ 14 bi de custeio (OPEX) como os R$ 1,4 bi de investimentos no porto (CAPEX). Mesmo os R$ 3,0 bi previstos para o túnel; e tantos outros investimentos infraestruturais necessários. Por conseguinte, investidor “com bala na agulha” não é “fator crítico de sucesso - FCS” da desestatização; ii) ao contrário, o FCS é gestão/governança... no limiar do reconhecimento que administração portuária não é um ativo, mas uma função; iii) a procedência do dito popular de que “o olho do dono engorda o gado”: quem melhor para gerir a dragagem (um gargalo sempre brandido para justificar a desestatização!) que aqueles que sofrem as consequências da não-dragagem?
É também uma boa notícia porque poderia acomodar interesses conflitantes de grandes grupos; algo que deixou os bastidores e se tornou público nos últimos meses, frequentando artigos, entrevistas, painéis e redes sociais. Apesar de ter surgido no contexto do arrendamento STS-10, por sua natureza a discussão pode ter repercussões também sobre a desestatização da SPA; potencializando as já existentes dificuldades do processo.
Boa notícia, ademais, porque minimiza o risco de a noiva ser apresentada ao noivo só no altar; como muitos casamentos do passado e recentemente no leilão da CODESA.
Uma alternativa real:
Com tais características, o modelo resultante se aproxima muito de uma “administração portuária condominial - APC”, defendida por muitos já de algum tempo. E, mais especificamente, se assemelha bastante ao modelo definido para a Ferrovia Interna do Porto de Santos - FIPS. Inevitável, assim, perguntar-se: se “arranjo associativo” (gestão condominial) é jurídica, técnica e administrativamente factível para a FIPS, por que não seria também para as demais infraestruturas básicas e serviços comuns do Porto (função da administração portuária)? Se para Santos, por que não para as desestatizações aventadas para outros portos?
Vale lembrar que ferrovias e portos são regrados pelo mesmo artigo, e pelo mesmo inciso da Constituição Federal (art. 21; XII); sendo separados, apenas, por uma alínea (respectivamente, ”d” e “f”).
Similares, mas com algumas diferenças; destacando-se:
Semelhanças: i) o escopo é praticamente o mesmo; ii) ambos os modelos requerem uma SPE gestora de infraestruturas e serviços comuns; iii) a SPE de ambos é/deve ser saudável econômico-financeiramente; ainda que o foco da administração portuária seja a função (a ser exercida) e não o ativo (a ser explorado).
Diferenças: i) no modelo inicialmente proposto o universo de potenciais integrantes é “o mercado”; no da APC, tomando-se o da FIPS como referência, seria um grupo pré-selecionado e já ligado ao Porto. Ou seja, detentores de um contrato de outorga; geralmente resultante de uma concorrência ou leilão: arrendatários e autorizatários (terminais portuários) e concessionários (ferrovias e rodovias); ii) por conseguinte, naquele a escolha seria/é por meio de leilão; neste, por chamamento público. iii) naquele a exploração do ativo seria/é um direito; neste a gestão do condomínio seria/é um dever, uma obrigação: obrigação associada e complementar àquela da outorga inicial.
Sabe-se que na esmagadora maioria dos portos relevantes do mundo a autoridade-administração é descentralizada, autônoma e pública. Mas, se a opção for mesmo por desestatizá-la/privatizá-la, não seria a APC (“arranjo associativo”) uma alternativa mais indicada? Inclusive mais célere?
A se considerar que: i) o arcabouço jurídico é hoje distinto daquele de quando a APC foi estudada há alguns anos: houve alterações; ii) o modelo da FIPS, precursor, já superou barreiras invocadas, então existentes (cujo histórico e detalhes estão descritos no Ato Justificatório da documentação para sua Audiência Pública); iii) o caminho para tal tramitação está pavimentado: MINFRA, BNDES, PPI, SPA, até por tê-lo formulado, já o conhecem bem. O TCU de igual forma, pois vem de aprovar e liberar o modelo e o processo da FIPS; iv) a exiguidade de prazos é, reconhecidamente, um dos principais gargalos da desestatização da SPA.
Seria a assunção, plena, do “modelo associativo” para a Autoridade-Administradora Portuária de Santos a próxima notícia a pingar do conta-gotas do MINFRA/ANTAQ?
*Engenheiro Eletricista e Economista, Pós-graduado em Engenharia, Administração de Empresas, Direito da Concorrência e Mediação e Arbitragem.
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