Existem pessoas que, talvez por possuírem uma visão curta sobre o conceito, relatam que vivemos em um Estado de Direito. A opinião geral é que, durante o Regime Militar, tal condição inexistia, e, agora, com um Judiciário forte, participativo e proativo, tal conceito estaria correto sob seus pontos de vista. Mas há algumas ressalvas, o que se pretende apresentar nesse texto.
Vamos, então, retornar ao assunto das operadoras de telefonia celular brasileiras. Uma cliente procurou uma companhia para cancelar a linha que não estava mais sendo utilizada. O atendente que a recebeu explicou que a documentação do processo seguiria para seu endereço eletrônico. Resultado: nada foi feito e eis que, mais tarde, surgiram cobranças não mais enviadas pelo e-mail como iam antes. Em seguida, avisos tidos como amigáveis foram emitidos, e, sim, pelo tal endereço eletrônico. A máquina da cobrança foi acionada, com ameaça de se levar o caso à SERASA e ao SPC. A operadora não aceita argumentos em canais presenciais e obriga os clientes a gastarem um tempo enorme junto ao aparelho telefônico, sendo atendidos por um robô que não possui nos menus todas as suas necessidades, até se chegar a um ser humano que acaba não resolvendo o problema, forçando a se ligar a outro atendente, desconhecedor da causa, recebendo de novo todas as explicações dadas, e que acaba as ignorando totalmente. Isso, claro, com cada acesso se obtendo só depois de se passar pelo irritante conjunto de menus robóticos.
Falei aqui sobre operadoras de celular. Mas não são as únicas organizações a agirem dessa maneira. Virou moda a imensa covardia de afastar fisicamente os prestadores de serviço dos clientes, deixando-os lesados e sujeitos a longos telefonemas que não geram efeito algum. Os e-mails vêm com respostas muito demoradas ou mesmo sem respostas. Uma empresa de administração de planos de saúde solicita, em cada caso que se faz a mesma reclamação, que a história seja repetida, além de pedir várias vezes a mesma lista de documentos sem mesmo verificar a coerência de tal exigência, e não dá retorno algum.
Ora, há de os entendidos discorrerem, como se fossem professores explicando um conceito até então desconhecido pelos alunos, sobre a existência de Procons, Tribunais de Pequenas Causas e outras formas de justiça gratuitas ou pagas, à disposição dos cidadãos, caracterizando o Estado de Direito em que vivemos. E é nesses casos que particularmente contesto tal conceito. Aceito os argumentos contrários, afinal, sou um leigo nesse assunto, mas vou descrever, abaixo, o que acho que seja um verdadeiro Estado de Direito. É a opinião de um ignorante da causa, que nada entende dessa digna ciência, mas é de um cidadão que gostaria de viver num país que ele consideraria ser mais justo, à luz tênue das observações e dos relatos recebidos sobre o que se pratica em outros países.
Estado de Direito não é aquele em que só recursos jurídicos existem para reclamações de contas erradas. É onde as próprias organizações que as emitiram atuem preventiva e corretivamente, com o máximo de empenho possível, para evitar que tais enganos sejam cometidos, sob risco de consequências extremamente danosas, principalmente à sua imagem, e às suas finanças. Mas também onde os devedores paguem suas dívidas para que o hábito de ser um mau pagador não venha a se tornar um vício.
Estado de Direito é aquele em que o sinal vermelho seja respeitado a qualquer hora do dia e, principalmente, da noite. É uma questão de civilidade seguir a lei por ser lei, sem, nesse caso em particular, temer por sua integridade e segurança.
Estado de Direito é aquele que uma pessoa possa mostrar sua riqueza, sem medo, e também onde a elite financeira reconhece e respeita quem não conseguiu alcançar o mesmo nível socioeconômico, na certeza de que competência e escolaridade não se traduzem em riqueza.
No Estado de Direito, ainda, há respeito às origens de cada pessoa, sua religião, cor da pele, costumes e cultura. Não há superioridade nem inferioridade. Há diferenças que são reconhecidas e respeitadas.
Estado de Direito é aquele em que diferenças de tendências políticas e de times de futebol não passem além de uma conversa em volta de uma mesa — se possível, com uma cervejinha!
Para se chegar a um Estado de Direito, é fundamental que se invista numa Educação que seja tanto plural nos conhecimentos de Arte, Justiça, Cidadania, Literatura, História e Civilidade, e aprofundada, no que tange às ciências escolhidas pelos alunos, após, logicamente serem disseminados a todos os princípios dessas. O Estado de Direito se preocupa com o bem estar dos alunos, promovendo incentivo aos seus bons desempenhos, e busca toda forma de investir neles e, consequentemente, nos bons professores, com tempos de dedicação e salários dignos de sua nobre profissão. É onde escolas são templos de saber prazerosos e motivadores, e, além de conhecimento, os alunos carreguem consigo orgulho por terem ali frequentado.
Estado de Direito é onde as famílias podem assistir tranquilamente a um jogo de futebol num estádio lotado.
No Estado de Direito, os impostos são justos. Educação, Saúde e Segurança em todos os seus níveis são as principais cobranças orçamentárias, longe de destinações a Partidos Políticos e em manutenções consequentes do mal uso das coisas públicas como lixo nas ruas e pichações desrespeitosas a monumentos. Nesse Estado, a História e o Presente são bens guardados com orgulho.
No Estado de Direito, as catástrofes são realmente inesperadas em todos os níveis de análise, e não somente entre estudiosos e cientistas, cujos alertas nunca chegam aos administradores municipais, estaduais e federais.
No Estado de Direito, as fornecedoras de serviço não oferecem somente um canal de atendimento ao cliente. Ele é quem escolhe como se reclama, solicita ou até mesmo elogia por telefone, correio eletrônico, mídias sociais, presencialmente ou outras formas que existam ou venham a existir. E também, o uso do smartphone não se torna um item obrigatório para identificação e declarações.
E, terminando aqui, sem, entretanto, declarar tal lista como definitiva, no Estado de Direito as autoridades são símbolos de exemplo, sendo quem mais seguem a Lei estabelecida. Os militares reconhecem ser representantes do Estado e tratam os cidadãos com civilidade sem se impor somente pelos seus encargos, mas pelo que o momento exige ser feito. Autoridades respeitam sinais de trânsito e não passam à frente dos outros nem exigem privilégios para si ou seus parentes.
Essa é a minha visão. Visão de um ignorante que sonha. Pode parecer utópico, mas tenho certeza que é possível. Basta que todos, autoridades ou cidadãos como eu, se esforcem nessa direção e não tenham medo de exigir que os passos sejam dados.
* Engenheiro e Escritor.