Por Guilherme Narciso de Lacerda*
A pandemia da covid-19 que atingiu todo o mundo a partir do início de 2020 é um divisor de águas na história mundial contemporânea. Até o início do corrente mês (setembro de 2022) o total de infectados era de 603,6 milhões de pessoas e o total de mortes chegou a 6,5 milhões. O grau da letalidade em cada país é muito desigual e uma das causas foi a forma pela qual a pandemia foi enfrentada. Neste caso, a posição de nosso País é a pior de todo o conjunto, como será mostrado.
A partir dos primeiros casos surgidos na China no final de 2019 (ou no início de 2020, pois há controvérsias a respeito) os dirigentes de todos os países apressaram-se em adotar medidas que protegessem suas populações. A comunidade científica se debruçou sobre o tema e antes de completar um ano da pandemia já eram concluídos os testes das vacinas desenvolvidas por laboratórios apoiados por grandes somas de recursos públicos e privados.
No Brasil, os primeiros casos de COVID-19 foram constatados em março de 2020. Desde o primeiro momento o enfrentamento da inusitada ameaça à população foi marcado por desavenças entre autoridades públicas. De um lado, posicionava-se o governo federal e de outro a comunidade científica, governadores e prefeitos. A postura do governo federal apoiada por algumas vozes empresariais e alguns poucos médicos era de que a pandemia iria atingir a todos, mais cedo ou mais tarde, e quanto mais rápido isso ocorresse melhor seria para diminuir os impactos sociais e econômicos. Ou seja, havia um entendimento de se fazer pouco caso do problema de saúde pública, ao contrário do que estava sendo feito na grande maioria de países. A mensagem passada pelo presidente da república era de negar a ameaça, com manifestações desrespeitosas e com a defesa estapafúrdia de medicamentos comprovadamente inúteis para o tratamento.
O atraso na aquisição das vacinas foi um acontecimento nefasto no enfrentamento da doença. Governos estaduais, com destaque para o de São Paulo, tomaram a frente para fazer aquisições e enquanto as vacinas não chegavam eram adotadas medidas de isolamento social, contrapondo-se à postura complacente do governo federal.
Passados dois anos e seis meses de convivência com a pandemia de covid-19 os números dos seus impactos mostram como o governo federal foi negligente. No nosso país o total de mortes corresponde a 10,5% do total mundial enquanto nós temos apenas 2,7% da população total. O total de mortes por cada milhão de pessoas foi, no Brasil, de 3.187; nos EUA esta relação é de 3.094, no conjunto de países de renda média alta esta relação é de 1.024 mortes por milhão e a média mundial é de 820 mortes por milhão. Um outro dado que mostra o péssimo resultado da gestão de saúde pública no nosso país pode ser visto pela taxa de letalidade, que corresponde ao número de mortes dividido pelo total de casos confirmados. No nosso país essa taxa é de 1,99% enquanto a taxa mundial é de 1,08%, ou seja, por aqui, o risco de contrair a covid e de não resistir foi de 84% superior à média mundial.
Todas estas informações citadas têm como fonte entidades internacionais de alta confiabilidade e não tem cabimento levantar suspeitas sobre a integridade dos números. Os dados da COVID-19 podem ser obtidos em www.ourworldindata.org e os dados de população em www.countrymeters.info./pt/world. E para não restar dúvidas sobre como a população brasileira foi penalizada com a forma em que a gestão da saúde pública foi tratada é oportuno destacar que na França o total de infectados é de 34,61 milhões (até início de setembro) enquanto aqui no Brasil o total registrado está em 34,43 milhões, ou seja são números de dimensões muito próximas, com uma pequena superioridade na França. Entretanto, naquele país europeu o total de mortes foi de 154,2 mil pessoas enquanto por aqui este total chega ao assustador número de 683,97 mil pessoas, ou seja, por aqui morreram mais de três vezes e meia a mais de brasileiros do que franceses, com praticamente o mesmo número de infectados. Da mesma forma, o número de sequelados por aqui é relativamente muito superior aos dos demais países.
O que mais precisa ser dito? Lamentavelmente, tamanha catástrofe é pouco destacada na imprensa em geral e há um esforço de várias origens para levar a população ao esquecimento do que de fato aconteceu, e de certa forma ainda acontece, embora em dimensões menores, em nosso país.
É preciso colocar uma lupa neste debate e mostrar à sociedade a realidade dos fatos. A identidade política de parcelas de profissionais da saúde (com destaque para os médicos) para com o atual governo é lamentável mas é um fato. Porém, tal postura política não pode impedir que se mostre a incompetência do governo federal no enfrentamento da covid-19 e na defesa da saúde do povo brasileiro. O descalabro da ação governamental está provado e por isso precisa ser denunciado.
*Economista e professor universitário.
Foto: reprodução internet
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