Fabrício Augusto de Oliveira*
Em relatório divulgado neste mês de setembro, a agência Fitch piorou todas as projeções de crescimento para o mundo tanto para 2022 como para 2023. Em 2022, a expectativa anterior de uma taxa de crescimento de 2,9% foi reduzida para 2,4%. Em 2023, um tombo ainda maior de 2,7% para apenas 1,7%. Nenhum país escapa dessa tendência recessiva para alguns ou, no mínimo, de forte desaceleração da atividade econômica para outros.
Segundo a Fitch, tanto a Zona do Euro como o Reino Unido devem mergulhar na recessão ainda este ano e lá permanecerem em 2023, desfazendo-se, assim, a aposta anterior de que o bloco europeu poderia ter uma expansão de 2,2%. Os Estados Unidos viram reduzido o crescimento deste ano de 2,9% para 1,7%, de acordo com as novas previsões, mas já contando com a ares da recessão especialmente em 2023, quando se espera que não alcançará uma taxa superior a 0,5%. Até mesmo a China, com os problemas de confinamento da população e do mercado imobiliário, a perspectiva de crescimento este ano foi reduzida para 2,8% e não vai além de 4,5% para 2023.
O Brasil, nessas novas projeções, deve ocupar até um lugar de destaque, com um crescimento de 2,5%, igualando-se, assim, à média mundial, o que não ocorre há tempos. Mas, para 2023, a expectativa é de que retorne à trajetória de baixo crescimento, prevendo-se uma expansão de magros 0,8%, considerando que os fatores que estão impulsionando a economia este ano perderão força ou simplesmente serão extintos, caso dos adicionais do Auxílio Brasil.
Há vários fatores que explicam a maior fraqueza do crescimento mundial. Na verdade, o mundo já vinha desacelerando desde os últimos anos da segunda década do século XXI, processo agravado pela pandemia da Covid-19, que paralisou a atividade econômica e desestruturou as cadeias produtivas de commodities, de suprimentos globais e de alimentos, detonando o estopim inflacionário no mundo. A guerra Rússia-Ucrânia deflagrada a partir de fevereiro de 2022 agravou ainda mais este quadro, aumentando a força do processo inflacionário e exigindo, especialmente dos países mais envolvidos e mais atingidos por este evento, a adoção de uma política monetária altamente restritiva, com a majoração das taxas de juros para tentar reverter a forte pressão sobre o nível de preços. O que ainda parece longe de ter sido alcançado.
É bem verdade que tanto a pandemia como a guerra Rússia-Ucrânia colocaram sérias dificuldades para a economia mundial e para o crescimento econômico, No entanto, representa um exagero atribuir a estes eventos toda a responsabilidade pela crise que assola o sistema capitalista na atualidade e à perda de força e dinamismo da atividade econômica. Este fenômeno antecede – e muito! – a crise atual e encontra explicação na forma como a economia passou a ser conduzida especialmente a partir da década de 1980 à luz e orientação do ideário neoliberal.
De um lado, a prioridade conferida ao capital financeiro nessa nova etapa de desenvolvimento do sistema minou as forças da produção, tornando o crescimento errático e dependente de políticas artificiais de expansão da demanda comandadas pelo Estado que terminam conduzindo a economia para novas crises, já que assentadas em bases frágeis. De outro, com um arcabouço teórico construído para proteção da riqueza financeira, a questão da desigualdade econômica voltou a se acentuar e a enfraquecer as bases da demanda agregada, sem a qual o crescimento não se sustenta, tornando-o, por isso, episódico e altamente instável desde a década de 1970.
Indiscutivelmente, o modo de produção capitalista representa um modelo incomparável de revolução da atividade econômica e de sua capacidade de geração de renda e riqueza, o que é reconhecido até mesmo por Marx um de seus principais críticos. Todavia, a busca frenética e desenfreada pelo lucro e enriquecimento pelos donos do capital, essência e característica deste sistema, tem, tendencialmente, gerado não somente profundas desigualdades econômicas na sociedade como se mostrado crescentemente incapaz de gerar emprego para a população, além de estar progressivamente destruindo a biosfera, com a exploração excessiva dos recursos naturais para satisfazer sua sede insaciável por lucratividade.
Ou seja, trata-se de um sistema que, guiado pelo objetivo prioritário do lucro, está conduzindo a humanidade para o colapso em meio a crises recorrentes e inescapáveis, apenas agravadas, inclusive, por eventos imprevistos como a pandemia e a guerra Rússia-Ucrânia da atualidade. Estes aparecem, no entanto, apenas como bodes expiatórios que ajudam a explicar o avanço e aprofundamento da crise atual, mas que, uma vez resolvidos, não serão capazes de retirar o sistema de sua trajetória de baixo crescimento, aumento das desigualdades, do desemprego, da pobreza e da destruição do meio ambiente. A menos que sejam bem-sucedidas algumas propostas para sua reforma, como a que se referem à ESG, conceito que combina a preocupação com a preservação do meio ambiente (E), com a adoção de medidas para reduzir as desigualdades sociais (S) e também para tornar o ambiente corporativo (G) mais comprometido com valores éticos. Ou ainda, a do capitalismo consciente, um movimento que prioriza as mesmas mudanças. Mas isso terá de ser combinado com os capitalistas, os donos do poder.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil”.
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