Guilherme Narciso de Lacerda (*)
A Jurong é uma das maiores empresas da indústria naval brasileira. Com ela o Espírito Santo deu um salto na sua base industrial, fortalecendo o conglomerado de grandes investimentos no setor portuário, siderúrgico e de celulose, constituídos em décadas anteriores.
Alguém hoje em dia poderia imaginar nosso estado sem tais projetos? Evidentemente que não. Todavia, apesar de tal grandeza, parece que as lideranças empresariais locais esqueceram por completo como foi que o estaleiro Jurong, localizado em Aracruz e o maior investimento das duas últimas décadas, veio para o nosso Estado.
O esforço do governo estadual desde 2008 foi imprescindível. Foi naquele momento que se iniciou as primeiras negociações para tornar o projeto realidade. Porém, de nada adiantaria tal empenho se não tivesse ocorrido o fato mais importante da economia brasileira dos últimos 50 anos que foi a descoberta do pre-sal. As matérias jornalísticas da época comprovam que a tradicional empresa de Singapura passou a se interessar pelo Espírito Santo quando constatou que a produção off shore de petróleo revolucionaria o complexo de óleo e gás no país, com impactos maiores nas regiões diretamente relacionadas a ele.
Além disso, foi imprescindível a decisão do Presidente Lula, tomada ainda no seu primeiro ano de governo, de reerguer a indústria naval brasileira e exigir que houvesse percentuais relevantes de insumos nacionais na cadeia produtiva. Mas, não foi só isso. O elemento decisivo para viabilizar o projeto foi a decisão tomada em 2009/2010 pela Petrobras em priorizar a contratação de plataformas de extração e transporte de petróleo de uma empresa brasileira exclusivamente constituída para adquirir dezenas de embarcações de estaleiros nacionais. Sem isso, não existiria a Jurong. Ou, para ficar mais claro: sem os governos de Lula e Dilma os estaleiros nacionais não teriam sido instalados. O projeto passou por vários desafios. Foi preciso uma articulação virtuosa do governo federal com o governo estadual e o apoio da Prefeitura local. A parceria de todos com o grupo empresarial de Singapura na busca de soluções para os inúmeros problemas enfrentados foi decisivo para colocar de pé o grandioso empreendimento hoje existente.
Como se sabe, houve um desarranjo da economia nacional a partir de 2015, derivado fundamentalmente dos desdobramentos de ações impróprias produzidas na arena política, desencadeando em uma ruptura institucional com a interrupção do mandato da então Presidente da República Dilma Roussef, legitimamente eleita. A verdade nua e crua é essa: ela foi deposta ilegalmente, pois crime de responsabilidade, tal como está na Constituição, não existiu, e o tempo provou isso.
Aqueles acontecimentos nefastos de ordem institucional e política repercutiram diretamente no comportamento do empresariado capixaba. Suas lideranças, em conjunto com parcelas expressivas das lideranças políticas, passaram de uma hora para outra por um esquecimento profundo do que o governo federal vinha fazendo pelo Espírito Santo até aquele momento.
Esta é a realidade. Não se trata de opinião. E, agora, olhemos para a frente.
O momento atual exige que todos os que de fato se dedicam ao desenvolvimento de nossa terra façam uma reflexão da postura que tem sido adotada nos últimos seis anos, desde a ruptura institucional apoiada por eles. É preciso maior responsabilidade de comportamento em suas instâncias corporativas. Posturas odientas não favorecem interlocuções sensatas e dificultam reaproximações posteriores. Quem mais perde com isso é a sociedade, é o próprio Estado.
Estamos no limiar de um novo tempo. O período nefasto que vivemos está chegando ao fim e, no final deste mês, esta manifestação de agora será confirmada. Está na hora das lideranças locais, sejam empresariais, sejam políticas, repensarem suas atitudes e se integrarem no chamamento de se reinaugurar um ambiente econômico e social com menor abrasividade e maior compromisso com a democracia e um desenvolvimento econômico mais justo.
O exemplo da instalação da Jurong em nosso Estado e o esforço coletivo exitoso daquele momento deveria servir de guia para a busca de soluções para os grandes problemas que enfrentamos. Só assim novos projetos transformadores virão para cá e ajudarão a melhorar a vida de milhares de capixabas.
(*) Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após.) Departamento de Economia da UFES. Foi diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.
Foto da ilustração: reprodução internet.
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