Guilherme Henrique Pereira*
O voto é seu. Você não precisa justificá-lo para ninguém. Não quer dizer que não precisa refletir sobre o assunto. Ao contrário, esta é uma das eleições em que a escolha terá consequências para as nossas vidas e para futuras gerações incomparavelmente mais impactantes que qualquer outra que já participamos. O marketing político desenrolou-se de uma forma que erradamente criou uma polarização entre nomes. Estes nomes não têm a menor importância para a reflexão necessária. Argumentos do tipo “rachadinha”, que não respeita as mulheres (incluindo menores), que lava dinheiro comprando imóveis, que tira dinheiro da saúde pública para financiar a compra de votos com o orçamento secreto; ou do outro lado, que é “ex-presidiário”, estão longe de iluminar a grande encruzilhada histórica que nos encontramos. Na verdade, estamos diante de projetos e visões de sociedade diametralmente opostos. Nisto os segundos turnos, nacional e Estadual (ES), estão semelhantes. Talvez, o fosso que separa os dois lados no plano nacional seja mais visível que no local, onde as questões em jogo são de menor dimensão.
No embate do dia a dia, quando o tempo é muito curto, as conversas são empurradas para conteúdos superficiais. Por exemplo, perguntar para o adversário, como justificará para seus filhos que você votou no “Lulaladrão”? Uma pergunta que não deseja reposta, mas apenas fugir para uma fronteira que supõe ser moralmente superior, embora não haja elementos para manter tal pensamento de pé por segundos, aliás, não é crível que os próprios portadores desta bandeira acreditem nela, confrontados diariamente com anúncios de falcatruas e comportamento inadequado.
Também se ouve dizer que estamos diante do “indesejável” e do “indefensável”. Se fosse só isso, seria bem fácil, pois com o indesejável dá para conviver, mas aquilo que não pode ser defendido sequer deve-se cogitar de sua existência. É possível observar certa vergonha nas entrelinhas dos apoiadores do “indefensável” que fogem com eloquência verbal para os argumentos sobre corrupção. Na prática uma palavra esdrúxula no debate político brasileiro, pois nele basta ser seu adversário para se tornar corrupto; e neste contexto quem conseguir melhor posicionamento de marketing leva vantagem. Vem assim desde sempre, o mais exemplar foi o Collor que se elegeu com base neste discurso, cargo que almejava para comandar as quadrilhas de extorsão de dentro do palácio.
Na absurda superficialidade que o debate alcançou, aparecem temas que nada têm a ver com o papel de um governante como por exemplo o aborto ou a união afetiva. Para não falar de estupidez do tipo perigo do comunismo, bobagem que não merece nossa atenção. Comportamentos tem a ver com evolução cultural de um povo, portanto, não é objeto de interferência de um governante em um período administrativo. Portanto, trazer estes temas para a campanha política é profunda má fé para esconder o que há de essencial.
De qualquer modo, aos trancos e barrancos, o Brasil estava em uma trajetória de melhorias em vários aspectos da vida social e econômica. Creio que os sociólogos resumem bem na expressão “avanços civilizatórios”. O que seriam tais avanços no Brasil de agora, às vésperas de uma eleição presidencial? Cabe também considerar que estamos no momento de conclusão de um período administrativo durante o qual só se ouviu falar em destruição das instituições, do meio ambiente e de mudanças na direção de comportamentos que pensávamos superados na história. Um período que ajudou a explicitar visões há muito latentes na sociedade brasileira. É neste cenário, e sem a pretensão de precisão conceitual, que fazemos uma tentativa de especular a partir da realidade atual e do que há de concreto nos debates da campanha política para entender quais os temas relevantes para continuar avançando. O pressuposto aqui, é que a partir da Constituição de 1988 a sociedade deu passos importantes na direção da civilidade: direitos humanos, meio ambiente, produção científica, fortalecimento e autonomia para o Ministério Público e Polícia Federal, democracia, garantias para as eleições livres, mas espaços para as mulheres e minorias, enfim, nos orgulhávamos de várias conquistas consideradas avanços em direção a uma sociedade melhor.
Em tal tentativa de compreender o momento atual, vamos listar alguns pontos que, em nossa opinião, precisam estar presentes na reflexão sobre o lado que mais se aproxima do mundo que desejamos.
1. O homem já avançou tanto na destruição da natureza que hoje coloca em risco sua própria existência. O Brasil já foi considerado exemplo em alguns campos, como matriz energética menos poluente e cobertura vegetal. Nos últimos 4 anos “passamos a boiada” sobre as conquistas anteriores;
2. Respeito à vida. Hoje vivemos na sociedade do conhecimento, apoiar e respeitar a ciência se tornou diferencial no grau de civilização. Talvez, mais que isso, na verdade uma questão de sobrevivência, pois vimos recentemente os números absurdos de óbitos por falta de empatia com o ser humano e de crença na ciência; Da mesma forma, estimular o armamento da população é incentivar o ódio e o descaso pela vida humana.
3. investimento em educação, inclusive a formação de pesquisadores de alto nível; a maioria dos planos de governo trata apenas do fundamental, esquecendo as nossas maiores deficiências;
4. ter uma política de soberania frente às demais nações; Isso requer dirigente capaz de se relacionar com as maiores lideranças do mundo;
5. respeitar as instituições, especialmente o equilíbrio entre os 3 poderes e autonomia dos órgãos de fiscalização e investigação; é necessário dirigente distante da vaidade ditatorial e do desejo de enriquecimento pessoal pelo uso do poder e do patrimônio público;
6. na gestão pública e da economia entender que o patrimônio de interesse público pertence a coletividade e não para enriquecer apenas alguns; como acontece hoje (também em anos anteriores) nas entregas de empresas para fundos de investimentos a preço de banana, basta conferir o que acontece agora com a Petrobrás;
7. avesso às desigualdades de rendas, patrimônio, gênero e minorias. O que vemos neste triste período administrativo é o acirramento de práticas de desrespeito aos negros, pobres, índios e mulheres.
8. entender que o Estado é laico, não podendo ser misturado com religião; lembre-se que na antiguidade a Igreja e o Estado se confundiam na exploração e submissão do povo. Não podemos ressuscitar um fundamentalismo religioso que nos leve para o passado que se imaginava longínquo;
9. uma política econômica voltada para o desenvolvimento de todas as atividades, e não somente uma – por exemplo o agronegócio para exportação, como vemos agora. Tanto se elogia o agronegócio como suporte da economia, e é verdade; não por seus méritos, mas porque tudo mais foi abandonado, quando não destruído;
10. acolher as mudanças de culturas comportamentais que acontecem no seio da sociedade;
A problemática sugerida apenas pelos 10 temas acima listados, certamente nos conduz para a grande encruzilhada que estamos neste momento. Os grupos representados pelos dois candidatos (lá e cá) têm posições bem definidas sobre estes temas. Neste ano, mais que nunca, o nosso voto está longe de ser uma escolha entre esquerda e direita; está longe de ser uma escolha de grau de honestidade; está longe de ser uma escolha de comportamento religioso. De fato, faremos uma escolha entre a barbárie e a possibilidade de retomar o caminho dos avanços pautados pela constituição de 1988.
* Doutor em Ciências Econômicas e Professor Universitário.