Guilherme Henrique Pereira*
O Brasil voltou a ter governo, mas há muito trabalho para recolocar a casa em ordem. O Presidente vem buscando governabilidade para realizar esta tarefa em momento de muita tensão política. De maneira sábia vem colocando os temas da agenda de urgências de forma pontual. De fato, não é possível tratar tudo de uma vez: teto do gasto ( não é aceitável uma regra que deixa a despesa financeira de fora, justamente a maior vilã); crise ambiental e de saúde (vide o caso do ianomanis); reforma tributária ( não é possível desenvolver uma nação com carga tributária dos mais ricos em 31% e dos mais pobres em 35%); independência do Banco Central. Este último, um debate cheio de narrativas.
Em primeiro lugar, não cabe na nossa democracia alguém com mais poder que o Presidente da República sobre um tema, principalmente o tema da política macroeconômica. Políticas monetária, cambial e fiscal devem ter uma coordenação única e não pode ter alguém que se acha tão poderoso para definir o que quiser. No plano só político, para ser tão poderoso deveria ser eleito assim como os senadores, deputados e o presidente. Enfim, os argumentos para independência do BC, apesar de ser um tema com longo debate e complexo, nunca me convenceram.
Vejamos o seguinte: em 2019 a taxa de inflação foi de 4,31% e a taxa básica de juros 4,50%; em 2020 a taxa de inflação ficou em 4,52% enquanto a taxa de juros caiu para 2,0 %, ou seja, um corte significativo na taxa de juros, para uma taxa de inflação estável; 2021 a taxa de inflação salta para 10,06% e a de juros para 9,25% – Preços de combustíveis e outros choques foram as causas do repique inflacionário, portanto, nada a ver com a gestão dos juros ou independência do BC; 2022, inflação fechou em 5,79% e sabemos que teve a ver com a redução dos impostos estaduais dos preços dos combustíveis, principalmente. De novo, nada a ver com taxa de juros que saltou para 13,75%.
Em recente entrevista (Folha de São Paulo,7/02/2023) o presidente do Banco Central tentou justificar a independência com a seguinte proposição : “ [A independência] é muito importante por muitas diferentes razões. A principal razão, no caso da autonomia do Banco Central, é desconectar o ciclo de política monetária do ciclo político porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses",
É óbvio que são proposições divergentes, nada de novo disse o presidente, tampouco disse algo justificador de sua tese. Os políticos profissionais estão preocupados também com o bem-estar da população, com o emprego, com o crescimento, afinal precisam pavimentar a reeleição. Se a economia vai mal, fica muito difícil pedir votos. Já o aparato da política monetária tem outros propósitos como prioridade.
Durante as últimas décadas houve enorme avanço nas ciências econômicas que gerou muitas novidades para a condução da política monetária. Dito de forma muita resumida, a conclusão de que aumentar taxa de juros controla inflação não se sustenta mais, pelo menos no formato das narrativas dos atuais dirigentes do BC, repetidas pelos economistas papagaios que chefiam os departamentos de economia dos bancos brasileiros. A historinha que contam é que aumentando a taxa de juros os produtos ficam mais caros, portanto, a demanda por bens diminui. Ora, a inflação é dada pela variação dos preços dos bens de consumo. Será que alguém deixará de consumir alimentos porque a taxa de juros aumentou alguns décimos por ano? Deixará de consumir outros bens por que a prestação aumentou alguns centavos? A observação da nossa realidade indica que esta historinha não tem fundamento. Ter por aqui a taxa mais alta de juros da maioria dos países pode atrair capitais especulativos, isso poderá ter efeitos sobre o câmbio e barateamento (para o brasileiro) dos produtos importados, aí sim pode ter muitas consequências sobre a economia.
Em vários momentos de nossa política econômica, tivemos choques de preços que afetam a taxa de inflação. Recentemente vivenciamos uma tresloucada vinculação do preço dos combustíveis ao dólar, provocando impactos sobre a inflação. O que o aumento da taxa de juros pode influenciar? Absolutamente nada. Mas, mesmo assim, a historinha de aumento da taxa de juros para controlar inflação entrou em ação.
Entre 2019 e 2022 tivemos uma inflação acumulada de 27% e a taxa básica de juro saiu de 4,50% para 13,75%, ou seja, aumentou 3 vezes, aparentemente sem eficácia.
Na mesma entrevista o Sr. Campos Neto afirmou: "Quanto mais independente você é, mais efetivo você é e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício da política monetária." Mais efetivo para quem? Menos juros o país pagará? Como assim? Aumentando em 3 vezas a taxa em pouco tempo?
Talvez melhor pensar que taxa de juros alta por longos períodos é mais fácil ser entendida como sinalização para os agentes econômicos aumentarem seus preços e conjuntamente realizarão uma taxa elevada de inflação.
Outro resultado subsidiário dos avanços recentes do conhecimento econômico e do processo de formulação das políticas diz respeito a influência dos interesses das muitas atividades com capacidade de lobby na política governamental. Cortina aberta que revelou significativa hegemonia dos interesses do setor financeiro sobre os interesses dos demais setores.
Apesar de uma exposição bem simples aqui, espero que tenham chegado a mesma conclusão que eu: quem estiver ao lado de uma política macro que visa controlar a inflação sem estrangular o desenvolvimento, não aceitará a tese da independência do BC.
O desempenho da economia não bate com as narrativas que defendem a independência do BC, é preciso sim, continuar debatendo o assunto e encontrar uma forma de estabelecer uma coordenação macroeconômica compatível com as necessidades de desenvolvimento do país. Está claro que o formato atual não cumpre esta funcionalidade.
Obs.: veja também: https://www.youtube.com/watch?v=Y2V23y-izYY
* Economista, professor universitário.
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