Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Delfim Netto, ministro da Fazenda todo poderoso do regime militar, tornou-se um craque em conseguir aumentar a arrecadação do governo sem ter de alterar, por lei, a legislação tributária. Na crise econômica do final da década de 1970 e nos primeiros anos da década de 1980, simplesmente passou a reajustar a tabela do imposto de renda bem abaixo da inflação, aumentando consideravelmente, no tempo, o número de contribuintes sobre os quais o mesmo incidia. Este expediente virou moda a partir daí e quase todos os governos passaram a utilizá-lo para expandir as receitas sempre que em dificuldades financeiras, mesmo penalizando os trabalhadores de mais baixa renda.
No Brasil atual, desde 2016 a tabela do imposto de renda não sofre qualquer reajuste. De acordo com dados do Sindifisco nacional que circulam na imprensa, a defasagem atual da tabela é de 148,1%, com o limite de isenção para o pagamento deste imposto estabelecido em R$ 1.903,98, o que, considerando o salário mínimo atual de R$ 1.302,00, inclui os trabalhadores que recebem perto de 1,5 salário mínimo entre os seus contribuintes, gravados com uma alíquota mínima de 7,5%. Nem no regime militar, notabilizado, entre outras questões, por desprezar a questão da justiça fiscal e social, isso teria ocorrido. Na reforma do imposto de renda, em 1966, o limite de cobrança do imposto era de dez salários mínimos, limite que foi reduzido para dois salários mínimos em 1969, quando, diante da enxurrada de incentivos concedidos para as classes média e alta para impulsionar o crescimento econômico, a receita de impostos começou a encolher. No caso de correção da tabela pela inflação, o limite de isenção passaria, atualmente, para R$ 4.723,78 correspondentes a 3,63 salário mínimos.
Em campanha para presidente, Lula prometeu elevar o limite de isenção para R$ 5.000,00, o que representaria 3,84 salários mínimos de 2023, tornando o sistema tributário um pouco menos injusto ao reduzir o ônus da tributação lançado sobre os ombros mais fracos. Isso poderia livrar mais 13 milhões de contribuintes de seu pagamento e aumentar a sua capacidade de consumo, o que é bom para o crescimento econômico, para a economia e para a justiça fiscal.
Para cumprir essa promessa, Lula não precisaria de fazer nenhuma reforma do imposto de renda, o que sempre desperta forte oposição principalmente no Congresso, sabendo-se, no entanto, que essa é mais do que necessária para incluir a população mais rica entre os principais contribuintes deste imposto. Bastaria, apenas, atualizar monetariamente a tabela do imposto, o que levaria o limite da isenção de seu pagamento a se aproximar dos R$ 5.000,00 prometidos, sem ter de comprar briga com os contribuintes mais poderosos representados no Congresso, deixando-se para outra etapa essa reforma, como, de fato, se tem anunciado.
Acontece que isso implicaria perda de arrecadação mais do que necessária para ajudar a cobrir os gastos com os programas sociais que têm sido anunciados. Ou seja, a valer este argumento, são os próprios trabalhadores de baixa renda que continuarão financiando, ainda que em parte, os novos benefícios criados e ampliados, o que representa, para variar, uma redistribuição de renda da classe média para a classe baixa.
Por isso, ao invés de ampliar o limite de isenção para os R$ 5.000,00 prometidos, o governo agora começa a anunciar que o mesmo será aumentado para R$ 2.640,00, uma correção da tabela de apenas 39%, continuando a manter uma defasagem da mesma de 79%, o que corresponderia a dois salários mínimos com a promessa de que o mesmo será elevado para R$ 1.320,00 a partir de maio deste ano, penalizando com isso, as camadas de menor renda. Não deixa de representar uma melhoria, mas, ainda assim, distante do desejável. Isso, alegando que a ampliação do limite que havia sido prometido só poderá ocorrer ao longo de seu mandato. Enquanto isso, e se a reforma deste imposto não sair do nível das intenções, os mais ricos continuarão livres e protegidos de uma maior carga do mesmo, usufruindo das benesses de um dos sistemas tributários mais injusto do mundo.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, articulista do Brasil Debates, e autor, entre outros do livro “A economia política clássica: a construção da economia como ciência”, publicado pela Editora Contracorrente