Por Rodrigo Medeiros*
Um recente artigo publicado na coluna Tropiconomia, no site da Deutsche Welle, pelo jornalista Alexander Busch, em 22 de fevereiro, mostrou preocupações com o que poderá ser uma onda de falências de empresas brasileiras. No artigo consta que a perspectiva de uma “economia estagnada se soma a dificuldades para obter crédito nos bancos, que temem novos escândalos contábeis”. Farei alguns comentários sobre esse assunto, apontando alguns caminhos que considero apropriados.
Após o escândalo contábil da rede varejista Americanas, considerado o maior da história do Brasil, de acordo com Busch, “as demais empresas brasileiras também estão sofrendo diretamente as consequências do escândalo”. Segundo o jornalista, os bancos “estão avaliando com rigor se algo semelhante pode se repetir em outras redes varejistas, fabricantes de bens de consumo e prestadoras de serviços, e quase não estão mais concedendo empréstimos”.
Conforme escrevi anteriormente em coluna de opinião neste espaço, a inflação é um fenômeno global desde meados de 2020, atingindo inclusive as economias desenvolvidas. Essas economias mais prósperas têm praticado taxas básicas de juros reais negativas, diferentemente do Brasil, cuja taxa básica de juros excessivamente elevada agrava o quadro fiscal e reforça desigualdades sociais extremas.
O mercado de crédito dificilmente poderia funcionar bem com uma taxa básica de juros de 13,75% ao ano. A cultura de juros cronicamente elevados afeta os investimentos produtivos e tem a sua parcela de responsabilidade no fato de que quase 80% das famílias brasileiras terem chegado ao final de 2022 endividadas, com aproximadamente 30% inadimplentes. Fomos informados pela imprensa, ainda em 2022, de que a insegurança alimentar avançou para mais da metade da população brasileira e que a fome atingiu 33 milhões de pessoas, com 40% dos trabalhadores ocupados na informalidade. As perspectivas são de baixo crescimento econômico em 2023 e, portanto, ponderou Busch, “as companhias brasileiras estão diante de uma onda de falências”
Recentemente, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou que seis entre dez crianças e adolescentes brasileiros conviveram em 2019 com uma ou mais dimensões da pobreza, como trabalho infantil e privações de acesso a moradia digna, água, saneamento, informação, renda, alimentação e educação. Dados públicos de 2020 e 2021 sobre renda, educação e alimentação indicam piora do quadro na pandemia.
Há algo que se possa fazer para além da indignação? Escutei recentemente o podcast "Pensando alto", episódio 12, newsletter da economista Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics, sobre industrialização e reindustrialização. Trata-se de um assunto que vem sendo debatido em diversos países desenvolvidos, inclusive nos Estados Unidos
O assunto merece uma atenção especial no Brasil. Felizmente, encontra-se entre nós a discussão sobre a baixa complexidade econômica da estrutura produtiva capixaba, que está associada ao baixo grau de sofisticação tecnológica do que é exportado pelo Espírito Santo. Destaco o artigo de Antônio Carlos Medeiros, cujo título é “Os rumos da economia capixaba estão na berlinda”, publicado na Gazeta no dia 25 de fevereiro. O professor Orlando Caliman também abordou o assunto em “A armadilha da baixa complexidade da economia no ES”.
Um artigo acadêmico que publiquei com colegas em 2020, de título “Complexidade econômica e os desafios pós-pandêmicos para o Brasil”, com ênfase no que seria um novo olhar para o caso capixaba, está disponível no site da Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas. Em síntese, “no Brasil, o processo de desindustrialização precoce colocou o país em uma faixa perigosa de dependência da exportação de produtos básicos e semimanufaturados”.
Quanto menos desenvolvido for um país, maior a sua dependência da exportação de produtos tomadores de preços nos mercados globais. Essa dependência, por sua vez, está correlacionada com desigualdades sociais extremas dentro desses países. Há, portanto, restrições estruturais nesse tipo de dependência para a redução das desigualdades sociais extremas.
Destacamos então que é preciso atentar para o risco e as consequências de que as cadeias globais de valor funcionem apenas no sentido de que os países desenvolvidos fiquem com os postos de trabalhos mais qualificados, com as melhores remunerações, e que os países não desenvolvidos se especializem nas atividades de baixas possibilidades inovativas e de produtividade intrínseca.
Uma estrutura produtiva mais sofisticada demanda trabalhadores mais qualificados, ajudando a promover a redução de desigualdades pela distribuição funcional da renda. Recomendamos então ações no sentido de elevação da sofisticação produtiva capixaba, as revisões dos planos de desenvolvimento e da lógica dos incentivos fiscais, além da democratização das discussões e decisões.
Indicamos a estratégia do caminho gradualista, que compreende que os governos devem investir em infraestrutura e buscar fortalecer as instituições voltadas para o desenvolvimento econômico e social, com preocupações ambientais. Afinal, as qualidades da infraestrutura, das instituições e da intervenção política são relevantes na articulação de políticas de desenvolvimento regional.
*Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
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