Por Guilherme Henrique Pereira*
Recentemente o jornalista Luiz Nascif postou informações sobre a pesquisa industrial do IBGE que mostram quedas fantásticas da produção da indústria de transformação, como deixou bem claro no seu texto: “Vamos deixar de lado a Indústria Extrativa e a Insústria Geral (afetada pela Extrativa), ficando apenas na Indústria de Transformação.”
Vieram à tona dois outros artigos que tentavam explicar os fatores que determinaram aqueles resultados ruins, que comentaram sobre:
“Redução da capacidade produtiva de petróleo e gás, culpa da nova lei do petróleo.
Rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, afetando o setor siderúrgico.
Impactos da economia global, pela maior exposição do estado aos humores externos.”
As duas primeiras causas obviamente mostram que os autores não escrevem sobre os mesmos segmentos industriais porque se referem a impactos fortes na indústria Extrativa, portanto, nada a ver com o desempenho da indústria de transformação comentado por Nascif. Poderia ter impactos indiretos se tivéssemos boa integração entre o beneficiamento de minérios, a extração de petróleo e gás com a indústria local de transformação. Porém, aquelas atividades são quase enclaves locais.
Quanto ao terceiro argumento, é fato que os ramos da indústria de transformação denominados Metalurgia, Papel e Papelão, e Química, têm dinâmica amplamente determinadas pela produção de aço e celulose, operadas por duas empresas cujo tamanho gigantesco relativamente ao tamanho da economia – peso que diminuiu na última década, mas, é ainda importante quando avaliamos o desempenho do valor adicionado na indústria de transformação –. Como produzem commodities para mercado externo, são sensíveis aos movimentos dos respectivos mercados internacionais e podem realmente explicar oscilações importantes. Daí para uma interpretação mais rigorosa seria necessário analisar em separado esses ramos.
Dos demais ramos da indústria de transformação capixaba – que têm reduzida integração com os três grandes citados – levando em conta os respectivos tamanhos, cabe analisar o desempenho de: Produtos Alimentares, Minerais não Metálicos, Vestuário e Calçados, Mobiliário e Mecânica. Estes foram os cinco ramos que mais captaram os estímulos da política de incentivos fiscais do século passado e que juntos com os grandes ramos – basicamente duas empresas – fizeram o que se pode chamar da industrialização capixaba. Resumindo: para entender a variação negativa da indústria de transformação do ES, é preciso conhecer condicionantes de ordem geral e específicas relacionados aos períodos da pesquisa industrial mencionada que afetaram os ramos industriais (os grandes e os principais) citados acima. Deixaremos para outro momento neste comentário as condicionantes específicas posto que requerem algum levantamento adicional. Mas, será possível alinhavar algumas ideias sobre as condicionantes de ordem geral.
Quanto aos grandes ramos, operados por empresas de grande porte, como já foi mencionado, têm dinâmica definida pelos respectivos mercados globais e pelas estratégias de investimentos dos grupos empresariais controladores. Quanto aos demais, ou novos que poderiam surgir, não há dúvidas que precisariam de uma política industrial de nível sub-nacional. É claro que o cenário macroeconômico do país, bem como as políticas do Governo central são importantes e não foram positivas no período, e dada a preocupação em justificar o desempenho negativo, certamente é necessário perguntar sobre a política de desenvolvimento do Governo estadual.
Antes, cabe relembrar que não há exemplo no mundo de nação ou região que se industrializou de forma natural, prescindindo completamente da atuação do Governo. E qual é a ação do Governo do ES?
Para Nascif “... foi um estado que recorreu pesadamente a incentivos e subsídios, inclusive com a criação de um Fundo Soberano, com aplicações pouco transparentes.”
O articulista tem toda razão, no entanto, é preciso verificar se tais facilidades operadas têm algo a ver com a indústria de transformação que surgiu ou ainda existe no ES. Aqui se torna necessário distinguir o período (grosso modo) dos anos setenta e oitenta do século passado quando havia algum indício de política industrial local planejada e executada pelo GERES/BANDES. É neste período, que se expande no ES os ramos mencionados acima como sendo os principais.
A partir dos anos noventa, é difícil identificar a existência de políticas locais de desenvolvimento sustentável da indústria de transformação capixaba. Existe renúncia de impostos para vários segmentos no viés de criar competividade espúria em relação as empresas de outros estados. É notória a ausência de ação dos governos estaduais nas últimas décadas com o intuito de estimular a diversificação e modernização do parque industrial. Já instalado com base em indústrias do velho padrão tecnológico, não recebeu qualquer esforço de política para o desenvolvimento de novas e modernas atividades. Tampouco parece estar na pauta local de debates, como está no resto do mundo de maneira muito evidente, a formulação de políticas industriais que combinem os estímulos a produção e as políticas de compensação das mudanças climáticas. Nem de longe sinal de preocupação com a “armadilha da baixa complexidade da economia capixaba”, tecla que bate o economista Orlando Caliman.
E para quem se direcionam ...”os pesados incentivos e subsídios” de que nos fala Nascif?
No ES durante as últimas três décadas consolidou-se um pacote de renúncias fiscais para a área comercial que acabou se tornando mais volumoso do que o captado pelo setor industrial.
No ES há três grandes linhas de concessão de renúncia fiscal: 1) para empresas importadoras, beneficiadas com cash back de 2/3 (atualmente deve chegar a 3/4 ) do imposto pago no desembarque, nacionalização da mercadoria. Houve ano que o montante global desta renúncia chegou a 40% do ICMS total do Estado; 2) para empresas que instalam em território capixaba seus centros de distribuição ou atacadistas; 3) as relacionadas aos objetivos de atrair novas empresas para o ES e a melhorar a competividade de empresas já existentes. Como pode ser observado não houve uma ênfase em promover investimentos na linha da diversificação e modernização do parque industrial, notadamente no campo das manufaturas capixabas. O crescimento observado na área comercial tem algum impacto sob o PIB, mas não tem potencial para sustentar ou trazer para o território capixaba a indústria do futuro com maior potencial de geração de emprego e maior valor agregado.
Enfim, o que se pode concluir é que dificilmente o ES ingresserá a curto prazo em processo de retomada de sua industrialização. Tudo indica que a provocação de Nascif de que a industrialização capixaba fracassou será fato incontestável. A menos que a capacidade local de formular políticas de desenvolvimento, bem como executar volte à cena.
(*) Professor universitário, Doutor em Ciências Econômicas.
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