Guilherme Narciso de Lacerda*
As complexas realidades da economia nacional e do ambiente internacional requerem que a política econômica do País incorpore mais eficiência, com benefícios diretos para os agentes econômicos e para os consumidores.
O debate que gira em torno da recente autonomia concedida ao Banco Central tem empobrecido a discussão mais ampla sobre a eficiência da política econômica como um todo.
Criou-se uma redoma nas narrativas em que a insensatez da taxa de juros básica é colocada como não sendo de responsabilidade da Autoridade Monetária e sim do governo executivo, a quem cabe disciplinar as contas públicas para não desancorar as expectativas dos agentes.
Em torno dessa tensão são amplificadas as avaliações rasas sobre a dinâmica econômica nacional e sobre as medidas que precisam ser tomadas para trazer o país para um ritmo de crescimento que atenda às necessidades da sociedade e aos compromissos políticos assumidos.
Nove em cada dez análises ou entrevistas disponíveis na imprensa remetem à necessidade de se ter clareza sobre qual é o tal de arcabouço fiscal para substituir uma anomalia instituída em 2017, que foi a inclusão na Constituição Federal da obrigação de se obedecer a um teto de gastos. Uma anomalia sim, por mais que haja vozes poderosas que a defendam e recebem tantos aplausos.
A decisão desta semana do COPOM de reafirmar sua disposição para sustentar sua posição e até ir além, ameaçando elevar mais ainda a taxa básica, talvez seja o mais nítido sinal da deterioração das relações institucionais que corporificam a formulação da política econômica do Brasil.
Os diretores do Banco Central estão acima de qualquer suspeita. Essa é a mensagem. De nada adianta economistas laureados em todo o mundo dizerem que os juros brasileiros estão estupidamente fora de lugar. Tais manifestações são lidas pelos analistas financeiros daqui como afirmações toscas ou quixotescas. Os economistas chefes de bancos, muitos deles ex-diretores do BC, são os primeiros a serem procurados para entrevistas e todos repetem a mesma toada: o governo precisa fazer o dever de casa.
Nenhum deles sustenta a causalidade do argumento que usam. Referem-se de forma geral, como sendo um senso comum, que os juros precisam estar onde estão para forçar a inflação voltar para a meta de 3%. Qual a “rationale” de tal pressuposto? Por que uma taxa de juros real de 8% é o que segura a inflação, quando se tem uma taxa de juros real neutra (calculada pelo próprio COPOM) de 4%?
A inflação brasileira está abaixo da maioria dos índices dos países da OCDE. Ela está sendo mantida - e até com acelerações pontuais – por razões associadas às estruturas de ofertas de bens e serviços ou por obrigações contratuais, com os resquícios da indexação de outros tempos.
Tais questões somente serão enfrentadas se houver uma revisão profunda das obrigações e direitos institucionais na formulação da política econômica brasileira. Aceitar que o Banco Central seja uma Instituição à parte, cuja função é apenas administrar o remédio (único) para segurar a febre e que o problema da economia brasileira tem que ser resolvido pela política fiscal é um erro que leva a consequências muito graves para o nosso País. Não é assim em lugar nenhum do Mundo. A política monetária não pode ser tomada exclusivamente como uma variável de ajuste ou uma consequência; ela é parte; ela compõe a política econômica.
Não há qualquer comprovação efetiva e nem teórica de que um Banco Central Independente assegura uma política econômica mais eficiente. Os casos internacionais mostram situações dispares nesse sentido. Para quem duvida recomenda-se a leitura de um artigo recente de dois economistas da LSE-London School Economics and Political Science (Mario I. Blejer e Paul Wachtel “A fresh look at Central Bank Independence”, winter/2020). Os autores mostram com argumentos sólidos e levantamento histórico que não há correlação entre melhor nível de eficiência da política econômica e um banco central autônomo quando se atua na ausência de uma interação técnica com os policy makers.
A política econômica precisa de coordenação. Deve emanar de uma interlocução ativa entre os núcleos executores de decisões que irão se interagir e definir seu grau de eficiência.
A solução para se buscar esta interlocução proativa passa pela revisão legal do papel do Conselho Monetário Nacional-CMN. Ele foi instituído em 1964, pela Lei 4.595 que reestruturou por completo o sistema financeiro de nosso país e traçou as diretrizes para a execução das políticas de crédito e de fomento.
Em sua origem, a composição tripartite do CMN dava sustentação aos titulares do planejamento, os executores da política fiscal e os formuladores e executores da política monetária. Era ali o espaço de concepção da política econômica nacional. Eram contempladas, assim, as visões de curto, médio e longo prazos. Eram trabalhadas as proposições orçamentárias frente às receitas públicas previstas e ajustadas com as medidas de política monetária para travar movimentos especulativos e manter a estabilidade de preços. A partir de tais formulações eram estabelecidas as políticas setoriais e de renda, bem como as diretrizes de funcionamento do sistema financeiro nacional.
Com o passar dos anos e com o fortalecimento das concepções neoliberais dos anos 1980 o CMN foi ficando em segundo plano. Deixou-se de ter planejamento, submetendo aquele núcleo de formulação ao Ministério da Fazenda. Por sua vez, a política fiscal e toda a complexidade da gestão da dívida pública ficaram subordinadas à primazia do Banco Central definindo a política monetária e ajustando a política cambial.
O artigo primeiro, parágrafo único, da Lei Complementar 179/2021 define que a estabilidade de preços deve ser buscada levando em conta ações para “suavizar as flutuações do nível da atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. Os resultados das decisões emanadas pelo COPOM não têm alcançado tais objetivos.
O momento requer uma revisão institucional na formulação da política econômica brasileira. Tal revisão precisa ser proposta pelo executivo e ser debatida e aprovada pelo legislativo, em interlocução com os diferentes representantes setoriais da economia.
Decisões unilaterais deterioram as expectativas dos agentes econômicos, ao contrário do que se almeja. A solução passa por espaços de interlocução, com a busca de consensos gradativos na formulação da política econômica.
*Guilherme Narciso Lacerda, doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor do Departamento de Economia da UFES. Foi diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.