Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Projeções de crescimento econômico no início do ano raramente se revelam acertada, pois o mundo econômico é cheio de surpresas e os resultados podem mudar tanto para melhor como para pior. De qualquer forma, apesar do otimismo do presidente Lula de que a economia brasileira poderá encetar uma marcha rumo a um crescimento mais robusto, tal como aconteceu nos seus dois primeiros mandatos, não passa de um desejo, a julgar pelas projeções até o momento feitas tanto por organismos internacionais como por alguns institutos internos de pesquisa.
O FMI acaba de revisar, para baixo, as previsões de crescimento do mundo, que passou para 2,8%, em 2023, e para 3%, em 2024, devido à presença de uma “névoa densa” sobre as perspectivas da economia mundial, e do Brasil, que caiu de 1,2% para 0,9%, o qual aumentaria, em 2024, para 1,5%. Nada muito diferente das previsões da OCDE divulgadas em março, que reduziu a previsão do crescimento mundial para 2,6% e a do Brasil para 1%. Internamente, a expectativa do mercado para o crescimento do PIB, também em 2023, não vai além de 0,91%, mantendo-se pessimista para o triênio 2024-2026, com expansão projetada de 1,44%, 1,76% e 1,8%, respectivamente. Ou seja, para o país ir além das projeções feitas por essas instituições, como aspira o governo Lula, terá de vencer não poucos obstáculos e superar muitas dificuldades, o que não será uma tarefa fácil.
A economia mundial, por seu lado, continua contaminada pelos efeitos da Covid-19, apesar da retomada gradual das atividades econômicas, e também pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que também contribuiu para desestruturar as cadeias de suprimentos globais, cuja principal consequência foi despertar o dragão inflacionário em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Embora uma política monetária restritiva de elevação das taxas de juros tenha sido implementada, notadamente nas economias mais desenvolvidas, para reverter sua força, a inflação ainda continua alta, indicando que as altas taxas nominais de juros permanecerão elevadas – ou mesmo em elevação – por mais algum tempo, subtraindo oxigênio da atividade produtiva. O início de uma crise do sistema financeiro anunciada com a quebra, nos Estados Unidos, do Silicon Valley Bank, e as dificuldades do Signature Bank, que depois alcançou também o Credit Suisse, embora contornada pela ação das autoridades monetárias para contê-la em seu nascedouro e evitar a contaminação do sistema, agravou as incertezas e as dificuldades da economia global.
A verdade é que se trata de um cenário completamente diferente do que existia quando Lula, em 2003, assumiu o governo pela primeira vez e pôde surfar na onda do crescimento mundial e dele colher bons frutos para o seu projeto, além de ter contado com boas condições para permitir, ao país, formar um colchão de reservas internacionais como instrumento de proteção contra as crises externas. Embora continue olhando pelo retrovisor este período com nostalgia, certo é que os tempos são outros e, se externamente, o cenário não é nada favorável, é necessário enfrentar as dificuldades internas, ou pelo menos atenuá-las, para que o crescimento econômico vá além de um mero desejo.
Embora ao longo dos 100 primeiros dias de governo, Lula tenha dado e encaminhado propostas feitas em campanha sobre as políticas sociais, como o aumento dos valores do bolsa-família, a retomada do programa “minha casa, minha vida”, a concessão de um módico aumento real do salário mínimo e um combate mais vigoroso da destruição do meio ambiente, na área da economia continua batendo cabeça sem ter apresentado, ainda, um plano consistente que garanta a retomada do crescimento e também a capacidade do Estado de financiar, de forma sustentável, a expansão dessas políticas.
Por enquanto, o arcabouço fiscal apresentado, mas ainda não aprovado, para o controle das contas públicas, apesar de ter representado um alívio para o mercado, suscita dúvidas porque, apesar de ter vinculado o aumento das despesas ao crescimento das receitas, garantiu para aquela uma expansão real que varia entre 0,6% e 2,5%, independentemente da segunda ter ou não aumentado. A reforma tributária, vendida como capaz de impulsionar o crescimento econômico, restringe-se a mudanças, nessa primeira etapa, à tributação indireta, incapaz, por si, de avançar na solução de um dos problemas mais graves do sistema, que diz respeito à vergonhosa desigualdade de distribuição de seu ônus entre os membros da sociedade e, portanto, na sua capacidade de fato de contribuir para a expansão econômica. Além disso, a guerra desencadeada contra as autoridades monetárias, apesar de mais do que justificável, para o rebaixamento da taxa de juros, como se essa fosse capaz, sozinha, de desobstruir os óbices para o crescimento, tem mantido sobressaltadas as expectativas dos agentes econômicos sobre a questão da trajetória da inflação.
A irritação de Lula com essa situação, na qual se inclui sua sugestão de revisão da própria teoria econômica, representa uma prova inequívoca de que começa a perceber que não serão poucas as dificuldades que enfrentará para alcançar o objetivo de garantir um crescimento mais robusto em pouco tempo e de não conseguir cristalizar a imagem que vendeu à população quando, olhando para o passado, acreditava que reeditaria a mesma trajetória econômica verificada entre 2003-2010. A realidade era outra e as condições altamente favoráveis, diferentemente da situação atual.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “A Economia Política Clássica: a construção da economia como ciência”, publicado em 2023 pela editora Contracorrente.
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