Guilherme Narciso de Lacerda*
O Dia do Trabalho comemorado em 1º de maio de cada ano é um acontecimento histórico que está presente em grande número de países. No Brasil o dia era, até alguns anos atrás, um momento para os trabalhadores se manifestarem em defesa de suas pautas corporativas. Nos últimos cinco anos tal data foi deturpada, chegando ao ponto aqui no Espírito Santo de uma empresa varejista colocar caminhões na rua para fazer propaganda do governo federal.
Neste ano o governo federal enalteceu a data e uma das medidas adotadas foi a de resgatar a legislação que havia vigorado até 2018 de valorização do salário mínimo (SM). O projeto de lei encaminhado pelo Executivo federal visa a reinstalar tal política de valorização. A proposta restabelece a prática legal que vigorou até dezembro de 2018. Os reajustes anuais do salário mínimo terão por base a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) dos 12 meses anteriores, acrescido da taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo ano anterior ao vigente. Na hipótese de se ter um resultado negativo do PIB o reajuste se limita à correção pelo índice de inflação. Medida similar foi colocada em prática no ano de 2007, foi convertida em lei em 2011 e vigorou até 2018. No entanto, foi interrompida pelo governo de Jair Bolsonaro.
Essa medida não é importante apenas para os trabalhadores formais ou do setor informal que dela se beneficia diretamente. O impacto positivo de um contínuo e gradativo crescimento do SM chega a toda sociedade. A melhoria no poder de compra estimula o comércio e a produção; e, de resto, melhora o nível da arrecadação de tributos e daí libera recursos adicionais para investimentos públicos. Essa roda da economia é bastante óbvia, mas impressiona como que vários empresários, sejam pequenos, médios ou grandes, não enxergam que uma distribuição de renda lhes favorece tanto, ou mais, que os próprios beneficiários diretos.
O SM cumpre, simultaneamente, as funções de regulação do mercado de trabalho, combate à pobreza e às desigualdades e de dinamização da economia.
A política de valorização do Salário Mínimo é muito importante para o país. Ele foi instituído em 1940 e foi fixado pela primeira vez no Brasil pelo Decreto-Lei 1.642, para vigorar a partir de 1º de julho daquele ano, com previsão de reajustes a cada três anos, pelo menos. Em 1943, o SM se incorporou à Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, em seu Capítulo III e, desde então, tem sido tratado em leis específicas e nas Constituições Federais de 1946, 1967, 1969 e 1988.
Os direitos individuais que deveriam ser atendidos com o salário mínimo foram estabelecidos em lei. Porém, em poucos anos, a remuneração estabelecida foi suficiente para cumprir o que se apregoa na norma legal. O fato é que o salário mínimo no Brasil é muito baixo e quase sempre seu valor esteve aquém do necessário para que o trabalhador brasileiro tenha poder de compra dos bens e serviços imprescindíveis a uma vida com dignidade. Esta constatação tem a ver com a perversa desigualdade de renda que marca a formação econômica de nosso país.
Desde 2002 houve melhorias pontuais importantes no valor real do SM. A sua evolução entre março daquele ano e janeiro de 2019 mostra que o seu poder aquisitivo teve um significativo aumento de 78,61%, conforme estudo do DIEESE. Tal desempenho foi relevante para a retirada do país do Mapa da Fome e para a redução da desigualdade social. Contudo, essa valorização gradativa cessou a partir de 2019; daí a importância de ela ser retomada agora.
É certo que não basta ao trabalhador receber aumentos nominais de salário. É fundamental que os preços estejam sob controle pois, caso contrário, tem-se um ganho ilusório que não repercute em benefícios reais. Como todos sabem, a inflação penaliza muito mais os pobres do que os ricos. Estes podem se defender, e até ganham com ela, pois também possuem rendimentos do capital. Já aqueles que só recebem salários integralmente destinados a consumo, não tem alternativas para se proteger.
Também é correto reconhecer que não basta apenas ter melhores salários. A construção de uma sociedade afluente, com redução das carências sociais e econômicas para a população se faz com um feixe de políticas sociais. Os serviços básicos de saúde, educação, moradia, segurança alimentar, cultura, lazer, esportes, direitos humanos e transportes urbanos não podem ficar em segundo plano.
Enfim, grande parte de nossa população continua com profundas deficiências sociais e econômicas. Há necessidade de atuação em diversas frentes, simultaneamente. A valorização do SM é, sem dúvida, um fator relevante para resgatar a dignidade de milhões de brasileiros e espera-se que, doravante, tal medida não venha a ser suspensa novamente.
*Doutor em Ciências Econômicas, Professor Universitário e Consultor em Gestão Pública.
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