Por Frederico Bussinger*
Portos são arranjos dinâmicos mundo afora: constantemente novas áreas são incorporadas e, não raro, vão sendo criadas. Mas, quando perdem suas funções portuárias, são recicladas e assumem novas funções. Na Argentina o Puerto Madero em Buenos Aires e, no Brasil, Estação das Docas em Belém, são os exemplos ouvidos com mais frequência. É o tipo de revitalização que vem sendo discutida desde os anos 90 para o Valongo santista (há também o carioca), por onde o Porto de Santos começou no final do Século XIX. Até um TAC foi assinado em 2018, cuja implementação foi cobrada durante as audiências públicas do processo de desestatização. Mas isso é uma página virada: o Parque Valongo já tem acordo institucional e patrocínio privado para sua implantação.
De igual forma, o Túnel Santos-Guarujá parece que dessa vez sai: tanto a União como o Estado vêm declarando intenção de fazê-lo; têm “bala-na-agulha” para levar adiante o empreendimento (ainda que, também, cada qual o tenha para impedí-lo!?); e já arregaçaram as mangas para efetivá-lo. No âmbito estadual, o projeto já foi qualificado no PPI paulista e “já há conversas com o BID para estruturar o projeto”. Por sua vez, no âmbito federal, além do caixa herdado de cerca de R$ 1,8 bi, que deve ser usado para tanto, a APS criou uma Comissão de 50 membros que se se debruçará na definição do projeto até meados de junho próximo. Até uma oposição entre as duas instâncias, que vinha sendo noticiada, parece que ficou para trás: ambas as partes veiculam intenção de atuar em parceria (melhor ainda se formalizado por meio de uma “Governança Interfederativa”); acordo que pode até envolver um “combo” mais ambicioso: incluiria o terceiro acesso rodoviário na/da Serra.
Ou seja, duas notícias alvissareiras para processos que se arrastavam há anos! Ah! Também o futuro mais distante já entrou no radar: porto off shore (águas profundas) e ZPE começam a ser esboçados. A expectativa, agora, fica por conta dos projetos e ações para o porto/complexo real (objeto do PDZ e Plano Mestre): quando entrará em pauta? Quem e como se incumbirá disso?
De forma nem sempre clara, essa dúvida tem rondado entrevistas, artigos e painéis de atores (stakeholders) envolvidos no/com o Porto. Numa consulta pessoal e explícita com alguns deles, sobre prioridades atuais e, também, aquelas até o final desta década, as 29 respostas recebidas apresentam um impressionante rol de pendências: várias urgentes; a maioria antiga e recorrente.
Dragagem é a demanda mais frequente (praticamente um bordão); mas os acessos terrestres são mencionados aparentemente com maior preocupação. Dragagem consta de 90% das respostas; apesar de não se explicitar a real demanda para os navios não-conteneiros, nem exatamente sua real urgência; talvez porque, agora, como se noticía, um contrato de 3 anos de dragagem de manutenção está em execução. Ou seja, não há um alinhamento amplo de qual, exatamente, “o problema (de dragagem) a ser resolvido”.
Buracos, iluminação e sinalização insuficientes, insegurança (pessoal e patrimonial) são preocupações dos acessos rodoviários internos (“last mile”). Os investimentos anunciados e a própria solução-FIPS parece não trazer tranquilidade com relação à saturação dos acessos ferroviários: o atraso na implantação da pera ferroviária do Outeirinhos (alegadamente por atraso no fornecimento do projeto pela APS) é caminho crítico de toda a iniciativa; algo que, eventualmente, pode até ensejar pedido de reequilíbrio dos contratos de arrendamentos dos terminais de celulose. Mas o que emerge como maior preocupação é a saturação do acesso terrestre, “cujo viário para carga é dos anos 50: a Anchieta!”.
A lista resultante da consulta informal, porém, é longa. Para a maioria das postulações, investimentos é condição necessária; mas nem de longe suficiente. P.ex; os terminais de granéis reclamam estarem sendo penalizados em 10% de sua capacidade porque o navio não atraca e/ou não deixa o berço no tempo certo: “sempre há uma razão, da praticagem e/ou da amarração”. Para além de investimentos, a solução parece demandar melhor articulação e gestão; não? Nessa mesma linha também podem ser incluídas a resolução da crise de vandalismo de trens, liberação de áreas ocupadas na margem esquerda, controle/sistema de atracação de navios, monitoramentos, existência de estoque de projetos.
Mesmo as postulações que dependem de investimentos, por vezes esbarram na execução de obras. Sem hierarquia, p.ex: concluir Perimetral na Ponta da Praia; implementar a FIPS e VTMIS; adequar atracadouros; construir novos berços de apoio na margem esquerda e plataforma de transbordo à montante.
Algumas, por outro lado, demandam prévio planejamento e articulação: revisão do leiaute da margem direita; transferência do terminal de cruzeiros para a região do Valongo; acesso marítimo com fluxo nos dois sentidos; hidrovia no Complexo Portuário; novas marginais na Via Anchieta a partir de Cubatão; acessibilidades urbanizadas para se chegar ao Porto; ocupação da Área Continental de Santos; re-operacionalização da Usiminas; expansão portuária no “Fundão do Estuário”; ocupação das margens do Canal de Piaçaguera; solução de conflitos urbanos.
Há outras mais no campo estratégico: porto voltado ao melhor atendimento da carga; incremento da automatização de processos e operações; implantação da tecnologia 5G; ESG; clusterização; P&D e qualificação profissional; universidade forte e associada ao Porto; solução para Usina de Itatinga; aumento da capacidade de tração (ferroviária); regramento da verticalização; definição do encaminhamento para o STS-10 e do STS-53; administração técnica, mas portuária; criação de fundo porto-cidade, com gestão tripartite, para solução de conflitos; implantação de estaleiro de manutenção; marketing.
Outras, ainda, dependem do modelo e prática da governança e regulação: CAP voltar a ser deliberativo; sistema de outorga de áreas mais célere; redução da complexidade dos EVTEA; padronização dos prazos contratuais de arrendamento; eliminação da diferenciação entre arrendamentos e TUPs; isonomia tarifária em todo o canal navegável; equacionamento das divergências com o Ecoporto; definição de restrição para participação de grupos econômicos dominantes nos leilões.
Além de longa, como pode ser observado, a lista é até difícil de ser organizada compreensivelmente. Inclusive porque nem todas as postulações são consensuais (algumas até conflitantes) e outras são transversais e/ou interfaceadas. Além disso, a maioria delas é atribuição da Administração Portuária; mas muitas ações dependem também de articulações com outros operadores, arrendatários, TUPs, prefeituras, Governo do Estado e/ou outros órgãos federais.
Daí porque seria essencial um plano de ação; detalhado, legitimado, público e periodicamente avaliado. Preveria atividades, coordenações, intervenientes, cronogramas, custos e fontes de recursos. Talvez até destacando-se um conjunto de ações emergenciais; como chegou a ser cogitado no final de 2022.
Com o Túnel e o Parque Valongo encaminhados, não valeria também cuidar-se para que discussões sobre a autogestão (tema do momento - importante, evidentemente!), não desvie atenção e substitua a desestatização no lugar ocupado pelas tergiversações dos últimos anos?
Nesse sentido, imagina-se importante que: i) os diversos setores do governo se alinhem em relação ao modelo de governança a ser adotado no futuro próximo; e ii) o setor privado “também pense nos interesses coletivos” (parte do elegante “puxão de orelhas” do Presidente da APS no último painel de recentíssimo evento: 8.01.31); como, também, se alinhe e seja mais propositivo, necessidade reconhecida por alguns dirigentes de suas entidades em tal evento.
Caso contrário, o mais provável é que as leituras, análises, seminários, reuniões e eventos, que consumiram tanta energia, adrenalina e tempo no passado recente poderão ser reeditadas; centrifugamente voltando a drenar recursos que podem ser dedicados ao enfrentamento dos problemas reais e prementes do Porto e do Complexo Portuário de Santos.
*Engenheiro Eletricista e Economista, Pós-graduado em Engenharia, Administração de Empresas, Direito da Concorrência e Mediação e Arbitragem.
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