O FUNSES-Fundo Soberano do Espírito Santo foi criado em 2019 pelo governo estadual para ser uma reserva de valor que assegure condições duradouras de desenvolvimento ao estado.
Sua razão de ser está focada no futuro. É o pensar nas próximas gerações que o justificam. Os recursos do FUNSES são provenientes dosroyalties e das participações especiais recebidas pelo Estado decorrentes da extração de óleo e gás natural em áreas marítimas sob sua jurisdição. A iniciativa do governo deve ser valorizada pois demonstra o zelo público na gestão de recursos financeiros que poderão ser extremamente necessários em outros tempos, com menores receitas derivadas da energia fóssil.
Atualmente, o montante administrado pelo FUNSES está em torno de R$1,37 bilhão. O
Banestes e o Bandes são os agentes financeiros que administram os recursos, assentados em premissas de preservação do capital e de fomento da economia estadual.
Em 2022 o FUNSES constituiu através do BANDES um Fundo de Investimentos em Participações em empresas tecnológicas (FIP FUNSES1). Após a contratação do gestor privado foram selecionadas várias empresas que têm recebido apoio financeiro e tutorial para a aceleração de startups e o fortalecimento financeiro de empresas já estruturadas. O FIP FUNSES1 já destinou mais de R$33 milhões para apoiar empresas de base tecnológica. São mais de 90 companhias apoiadas, algumas com aportes financeiras maiores, outras, com apoios também financeiros para suas arrancadas iniciais e uma grande parte com apoios tutoriais para os empreendedores tirarem seus negócios do papel.
Esta iniciativa do governo merece elogios. O Estado tem grupos ativos de desenvolvedores de startups que o coloca em referência nacional. Os valores financeiros destinados a tais apoios fortalecem esta teia empreendedora e leva a impactos diretos para a sociedade.
Todavia, a iniciativa merece também reparos e sugestões. Seria desejável que, complementarmente, houvesse uma maior interlocução dos gestores do FUNSES com os líderes de grupos de pesquisa do estado, com destaque para aqueles do IFES e da UFES, sem, contudo, desconsiderar também outros acoplados a instituições de ensino e pesquisa particulares.
Além disso, é recomendável que haja o apoio também para empresas iniciantes não vinculadas a referências de base tecnológica. Há inovação, há conhecimento, há economia criativa além das fintechs e das startups áureas rotuladas dos grupos de alta tecnologia, quase sempre vinculados a financeirização. Muitas iniciativas da economia real estão espalhadas pelo estado e carecem de apoio, o qual nem sempre chega como se promete por meio de entidades destinadas a tal fim, como é o caso do SEBRAE. A promoção de uma interlocução ativa trazendo para perto do programa as iniciativas criativas de geração de renda que atuam, inclusive, em áreas muito carentes e fazem verdadeiros milagres com os parcos recursos que geram, como é o caso do grupo Atelié de Ideias que atua no Território do Bem nas regiões mais carentes de Vitória.
Esta aproximação valorizaria muito a qualidade social do uso dos recursosdo FUNSES. Integrar espaços distintos, mas ambos dinâmicos, levaria a maiores ganhos para asociedade como um todo.
A segunda iniciativa do governo para utilização de recursos do fundo soberano foi o “Programa FUNSES- ESG de Desenvolvimento” lançado em meados deste ano, também pelo BANDES.
Estão sendo destinados R$250 milhões para “atender a projetos de investimento entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões por empresa, com o investimento máximo de 80% pelo FUNSES, por meio de subscrição de debêntures não conversíveis em ações, com o objetivo de fomentar o ambiente de negócios e a economia capixaba, focado nos setores da indústria, saúde, educação e energia”.
O programa recebeu 30 propostas. Em meados de outubro foram divulgadas as 14 empresas selecionadas. Ao contrário do primeiro programa, neste caso, o desenho do programa é no mínimo altamente questionável. Estão sendo destinados quase 20% do patrimônio do fundo para dar subsídios elevadíssimos a empresas que não precisam para se expandirem ou se consolidarem.
O grupo de empresas escolhidas são compostas de grandes empresas, com faturamentos superiores a 1 bilhão de reais. Muitas fazem partes de holdings corporativas que possuem filiais no estado, mas estão com suas sedes e suas principais unidades fora do estado e atuam até no exterior. Há por exemplo, unidade mantenedora de ensino que tem faturamento elevado e está totalmente consolidada, fruto de sua capacidade gerencial e financeira.
Os recursos que serão repassados para as empresas trazem em si um subsídio absurdo. O prazo para pagamento é de até dez anos, com até quatro anos de carência e com juros 10% abaixo da SELIC. Dinheiro nesta condição não existe em lugar nenhum do Brasil! E para que? Todas as empresas que o receberão possuem condições de levantar recursos no mercado de capitais nacional. É realmente uma queima de capital público, com repasses diretos para corporações que não dependem deles para seus planos de negócio.
A ideia do programa foi até positiva e seu objetivo escrito está aderente com os propósitos da constituição do fundo soberano. Porém, os termos do edital lançado desvirtuaram o programa.
Deveria ter sido direcionado para empresas médias com um valor teto máximo de faturamento muito abaixo do que foi definido, de forma que houvesse realmente o benefício para empresas oriundas do estado que enfrentam barreiras para se expandir e modernizar valorizando o três fundamentos de ESG (meio ambiente, compromisso social e governança). Mas não poderia ter um subsídio tão grande como foi feito. Além disso, os argumentos porventura trazidos de que é preciso ter garantias de que os contratos serão honrados não se justificam. Há atualmente meios de seguros de crédito sofisticados que atenuariam riscos de inadimplemento.
As lideranças empresariais, sindicais e políticas do nosso estado e inclusive a mídia corporativa deveriam se interessar mais por esta situação. Haverá uma “queima” de recursos públicos pertencentes à sociedade capixaba através da transferência de renda para empresas privadas grandes. E, neste sentido, estará sendo desvirtuado o propósito de preservação dos recursos públicos para gerações futuras.
* Guilherme Narciso Lacerda. Doutor em Economia
pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (apos) do Departamento
de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES
(2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento
Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.