Guilherme Narciso de Lacerda*
O Presidente Lula acaba de lançar um programa maiúsculo com vistas à recuperação da indústria brasileira. O conjunto de medidas foi desenvolvido a partir de um amplo diálogo entre o governo e distintos segmentos do setor produtivo nacional. O programa está identificado como “Nova Indústria Brasil (NIB)” e foi produzido a partir da atuação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) relançado em abril de 2023, após mais de sete anos desativado.
O conceito de neoindustrialização está no centro de toda a proposta. Os esteios do programa assentam-se em inovação e sustentabilidade. Para ter produtividade e conquistar mercados estas referências não podem ser palavras vazias; elas têm que pautar a organização industrial daqui em diante. Deverão ser perseguidos projetos que comprovem deter potencial impacto no desenvolvimento social e econômico do país.
O Brasil está atrasado no desenvolvimento da indústria 4.0, que já é predominante em grande parte dos países desenvolvidos. Para recuperar o tempo perdido o país precisa intensificar a implantação de projetos. O programa contempla linhas de crédito em condições financeiras (juros e prazos) favoráveis para os projetos com comprovado indicador de inovação. O montante anunciado de crédito é de R$300 bilhões.
Uma proposta relevante e que coloca nosso país no patamar do que dezenas de outros já fazem é a de dar tratamento especial para a aquisição de produtos nacionais nas compras públicas.
O programa definiu seis missões temáticas que mostram a inédita amplitude da proposta. Estão identificadas ações agrupadas nas seguintes dimensões:
Missão 1 – desenvolver o agronegócio e a agricultura familiar, com ações focadas na segurança alimentar, nutricional e energética.
Missão 2 – desenvolver o complexo econômico industrial da saúde. Uma das metas é levar o Brasil a produzir 70% de suas necessidades em medicamentos, vacinas, equipamentos, insumos e tecnologias.
Missão 3 – desenvolver a infraestrutura, o saneamento, a moradia e a mobilidade sustentáveis. As ações visam a melhorar a integração produtiva e o bem estar nas cidades. Considera-se atingir a redução em 20% do tempo de deslocamento de casa para o trabalho (atualmente estimado em 4,8 horas/semanais).
Missão 4 – desenvolver a transformação digital da indústria para ampliar a produtividade. Uma das metas é a de se digitalizar 90% das indústrias nacionais.
Missão 5 – desenvolver a bioeconomia, a descarbonização e a segurança energética. Destaca-se a promoção da indústria verde, reduzindo em 30% a emissão de CO2 e ampliando em 50% a participação de biocombustíveis na matriz energética de transportes.
Missão 6 – desenvolver tecnologias voltadas à soberania e a defesa nacionais.
No ato do lançamento o Presidente da República ressaltou a importância do governo atuar em fina articulação com as lideranças empresariais e sindicais de forma a se cumprir os objetivos e metas definidas no plano de ação 2024-2026.
O recado foi muito bem dado. A proposta não pode ficar no papel. Para a sua adequada execução será fundamental que haja uma boa sintonia entre os setores governamentais envolvidos e os diversos setores industriais de todo o país.
Assim, ninguém pode contestar que, agora, o Brasil tem uma política que traz propostas concretas e reconhece a longa estagnação pela qual passa a indústria nacional. O programa de agora se junta à reforma tributária dos impostos indiretos aprovada recentemente. A indústria será um dos principais segmentos beneficiados com a simplificação construída em uma desafiante interlocução entre os três níveis da federação. É evidente que os resultados de tais medidas não se efetivarão com um “estalar de dedos”; demandará tempo de ajustes, mas a direção e o caminho já foram definidos.
Ainda há desafios a serem enfrentados. Um deles, de curto prazo, passa pela controversa desoneração da folha de remuneração da força de trabalho de dezessete setores industriais. A medida foi aprovada no legislativo prorrogando a condição especial que tinha seu encerramento previsto para o início do corrente ano. A postura dos grupos políticos que defendem tal proposta precisa ser debatida, mas sem perder de vista a responsabilidade definida pelo próprio congresso de se cumprir metas orçamentárias rígidas. A exigência legal de se atingir resultados implica também na obrigatoriedade de se dar as condições para se executar as políticas públicas aprovadas.
Esse é o desafio valioso da democracia que precisa ser enaltecido. Tudo isso mostra que o Brasil deixou para traz uma fase em que o obscurantismo político levava a uma acelerada e continua tensão social que transbordava para o cotidiano da sociedade brasileira.
A Nova Indústria Brasil é uma marca deste novo tempo. O Espírito Santo é um estado que tem uma elevada participação da indústria em sua economia, embora tal setor seja tão concentrado. Por isso e também por causa dos grandes entraves que o atingiram nos últimos anos é recomendável que as lideranças econômicas e políticas daqui debatam o programa com entusiasmo, sem se aferrarem a visões ideológicas enferrujadas que atingiu a tantos.
* Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (apos) do Departamento de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.
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