Fabrício Augusto de Oliveira*
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad tem, no discurso, se mostrado um entusiasta da tributação sobre a renda e o patrimônio para reduzir as desigualdades globais no capitalismo. Em fala, no dia 28 de fevereiro, na abertura do encontro do G-20 realizado no Brasil, em São Paulo, afirmou que a última onda de globalização deixou como legado um aumento de desigualdades da renda e da riqueza em diversos países e que, para corrigi-las ou, pelo menos, atenuá-las, é necessário que sejam implementados sistemas progressivos de tributação que cobrem dos bilionários “uma justa contribuição em impostos”.
Haddad não está inovando em nada nessa questão e nem transmitindo para as autoridades econômicas do mundo uma realidade que essas desconhecem. Está apenas reconhecendo que o capitalismo é produtor de desigualdades, o que não é nenhuma novidade, e que, de certa forma, o Estado perdeu a capacidade de reduzi-la por meio das políticas públicas. Por isso, faz um apelo para que o mundo e, em especial, os países do G-20, aprovem uma tributação mínima global sobre a riqueza “para pôr cobro à vergonhosa realidade atual em que o “1% dos mais ricos detém 43% dos ativos financeiros [e se apropriam de 65% da renda gerada, segundo a Oxfam] e emite a mesma quantidade de carbono que os dois terços mais pobres da humanidade”.
A verdade é que não poucos bilionários do mundo, conscientes dos defeitos do capitalismo, entre os quais o de ser produtor de pobreza e miséria, vêm, há tempos, elaborando manifestos e praticamente implorando para que deles sejam cobrados mais impostos, por terem clareza de que o aumento crescente da desigualdade pode conduzir o próprio sistema para o colapso. Estes apelos não têm, contudo, encontrado ressonância nem entre os governos de modo geral, nem entre os economistas que atualmente mais se dedicam a elaborar teorias para proteger a riqueza do que em encontrar fórmulas para tornar a produção e sua distribuição pelo menos um pouco mais democrática.
Como ministro da Fazenda, Haddad está, atualmente, com a faca e o queijo nas mãos para fazer isso no Brasil, mas não se sabe, ou não se quer dizer, porque cargas d’água, vem adiando essa decisão. O argumento de que utiliza, inclusive nessa fala, de que o Brasil vem adotando medidas para tributar os mais ricos, como foi a cobrança dos fundos exclusivos de investimentos e as empresas de offshores, não dizem muito, pois motivadas e explicadas por outras razões.
Em primeiro lugar, porque em meio à reforma da tributação do consumo e, diante da necessidade do governo de aumentar receitas para cumprir a meta assumida no novo marco fiscal para 2024, não existia alternativa para isso fora da tributação direta, devido ao compromisso de que aquela será neutra, sem aumento da carga tributária e, por isso, impedir novos aumentos dos impostos sobre o consumo. Em segundo, porque nessa investida contra aquelas bases tributárias, apenas fecharam-se as portas para impedir os contribuintes de escaparem de sua cobrança por meio da prática da elisão fiscal, já que existe uma legislação que a contemple. Em terceiro, porque a arrecadação adicional que será obtida é modesta para alterar, de forma significativa, a regressividade do sistema tributário.
Não faltavam propostas para se avançar na tributação sobre a renda e o patrimônio apresentadas ao Congresso, sendo a mais importante a da Emenda Substitutiva 178, de 2019, de autoria dos partidos de esquerda, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), mas preferiu-se ignorá-la e transferir essa reforma para uma segunda etapa, que não se sabe se, de fato, ocorrerá, à medida que o ano de 2024 será dedicada à regulamentação da reforma sobre o consumo (EC 132/2023) e os anos de 2025 e 2026 serem um período em que a preocupação do governo e dos partidos será com as articulações políticas para as eleições gerais que se realizarão neste último ano.
Apesar de ser uma voz ativa na denúncia sobre a existência e o aumento da desigualdade no mundo, especialmente a partir da década de 1990, quando as ideias neoliberais ganharam força, o governo Lula, na prática, pouco tem feito para reduzi-la, pelo menos no que diz respeito à tributação, num país que, ironicamente, é um de seus campeões e onde os 10% mais ricos da população abocanham algo próximo a 60% da renda gerada. Já no segundo ano de seu terceiro mandato, nem mesmo a correção da tabela do imposto de renda, cuja defasagem se tornou corriqueira, para isentar de sua cobrança trabalhadores com renda de até R$ 5 mil reais, uma promessa de campanha, conseguiu até o momento ser cumprida, com essa isenção estando limitada, até este ano de 2024, a dois salários mínimos, ou a R$ 2.824,00.
Este tem sido um dos grandes problemas das políticas redistributivas do governo Lula. À medida que foca nas transferências diretas de renda, o que é importante, mas não inclui entre os seus financiadores os mais ricos, por meio da tributação, o ônus dessa política termina sendo jogado para a classe média que tem de arcar com os seus custos. No final, conforme os próprios dados do governo registram, os ricos ficam mais ricos, já que nada contribuem para isso, e os pobres menos pobres, mas às custas da classe média que tendo de pagar a conta, segue empobrecendo. O que se espera, é que essa equação se modifique com a imagem que vem sendo vendida pelo ministro e pelo presidente de que a conta vai finalmente chegar também para os mais ricos. Será?
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura Econômica do departamento de Economia da UFES (ES), articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “A política econômica clássica: a construção da economia como ciência”, publicado pela Editora Contracorrente em 2023.
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