Por Ricardo Berzoini* e Guilherme Lacerda**
As editorias de economia dos grandes meios de comunicação ressaltam, quase sempre, os temas do dia a dia: indicadores de inflação, dados de crescimento econômico, desempenhos setoriais e resultados da balança comercial, dentre outras estatísticas apuradas pelos institutos de pesquisa. Poucas vezes temos matérias de análise projetando os grandes desafios da economia no médio e no longo prazo. E quando nos deparamos com alguma análise de maior fôlego, raramente elas se aprofundam numa discussão mais estratégica de projeto de país; sempre é mais do mesmo: necessidade de reformas e de cortar despesas para encolher o estado e o país funcionar melhor.
Uma questão central que necessita de um olhar mais profundo é a correlação entre o crescimento do país e a estrutura da economia como um todo. O relevante está em entender como tal estrutura se transforma com os movimentos cíclicos de sua evolução. O crescimento econômico resulta de fatores conjunturais e estes se estabelecem tendo como pilar a estrutura sistêmica do país e o modo de sua inserção no mundo. Tal estrutura decorre da composição dos fatores de produção, englobando o padrão do capital humano (historicamente determinado), os recursos naturais e o cabedal tecnológico apropriado. Os indicadores de crescimento de um país são resultantes de fenômenos ou eventos atrelados a dinâmicas setoriais ou regionais. Isso foi o que aconteceu, por exemplo, no ano passado, com o destaque do bom desempenho do agronegócio.
Todavia, prender-se a análises de tal dimensão conjuntural restringe pensar o país em um sentido maior, de construção de um modelo econômico mais eficaz e que tenha uma transformação estrutural que leve a distribuições de renda e de riqueza menos perversas.
Falta ao Brasil um planejamento econômico de médio e longo prazos.
Num país como o nosso, com imensas carências sociais e com o selo da desigualdade de renda e propriedade tão vergonhoso, cabe perguntar como construir um projeto de longa duração, que contenha uma mudança qualitativa do padrão da economia e que nos torne de fato uma grande nação.
O Brasil possui uma pauta de exportações concentrada em itens de baixo valor agregado; esta é uma marca histórica, mas ela se agudizou nos últimos anos, com uma dependência enorme de commodities do agronegócio e de minérios.
O adensamento das cadeias produtivas setoriais tornando-as mais complexas e a possibilidade de gerarmos inovação e tecnologia de ponta são as chaves elementares para que o Brasil possa migrar sua economia primária para ter um sistema produtivo e distributivo menos excludente. Para tanto, é preciso estruturar mecanismos de financiamento do desenvolvimento industrial e ter instrumentos orçamentários e extra orçamentários para financiar a ciência e a tecnologia. Gerar inovação, conquistar patentes e articular esse processo tecnológico com o capital público e o privado é a única chance que o Brasil tem de gerar riqueza atrelada a uma dinâmica de distribuição que assegure oportunidades a maiores contingentes. O Brasil precisa deixar de ocupar a constrangedora posição de ser uma das dez piores desigualdades econômicas do planeta.
Nesse sentido, cabe ao atual governo convocar a sociedade civil, todos os governadores, as representações dos maiores municípios, as lideranças empresariais e de trabalhadores para enfrentarem um desafio maior, que precisa estar acima das disputas paroquiais ou de corporações. A pergunta para o chamamento é direta e simples: Qual país estamos construindo?
Qual o país que queremos ser daqui a duas ou três décadas? Para onde caminhamos? Avançamos na direção de uma sociedade com uma qualidade de vida decente para o seu povo, com liberdade para empreender e com a preservação de uma ambiência social e ambiental colaborativa e solidária?
Neste desafio maior, há aspectos delicados e urgentes que precisam ser enfrentados. A nação brasileira em construção só se de fato existirá se houver um enfrentamento corajoso da questão da segurança pública e da organização sócio urbana em todos os quadrantes de nosso território. O esgarçamento do sistema político nacional e os vazios entre Instituições e a sociedade dificultam debater a fundo os vetores que levam ao estado de coisas de hoje, em que os choques de horror vão se normalizando dia a dia.
Esse repto ao conjunto da sociedade visa a união de esforços para se construir um projeto maior de país. O caminho é longo. É um itinerário de trinta anos de esforço concentrado.
Para se tirar da prancheta a construção de um projeto econômico moderno e com melhor distribuição de renda será necessário constituir um fundo nacional com recursos das riquezas que o nosso país tem gerado ano a ano, com confortáveis saldos na sua balança de pagamentos bem como nos impressionantes resultados financeiros das grandes corporações. Tais êxitos coexistem – sem qualquer ruborização - com o agressivo modelo de concentração de riquezas que todos criticam, mas muito pouco é feito efetivamente para enfrentar.
É preciso ousar e colocar o dedo nas questões que são relevantes. Um projeto de país com novas estruturas precisa ter mudanças para valer. Já passa da hora de se abrir um debate para se constituir um fundo público utilizando-se de parcelas bem dosadas dos resultados líquidos das receitas com commodities agrícolas e minerais e da lucratividade excedente a um dado percentual sobre o patrimônio líquido das grandes empresas e das grandes riquezas patrimoniais, com destaque para aquelas que orbitam nas esferas financeiras.
Tais recursos precisam ser diretamente direcionados para dois eixos: um, é o da ciência e tecnologia focada diretamente na inovação e na transição energética. O outro eixo é o de atuar na raiz dos fatores que levam à imoral desigualdade de renda e riqueza das famílias brasileiras. Aqui, o que fazer já se sabe, e o foco é turbinar programas com eficácia comprovada, mirando principalmente em investimentos para cuidar da primeira infância.
Esse fundo financeiro aqui pensado não pode integrar o orçamento da união. Deve ser um fundo público de direito privado gerido por uma coordenação participativa de toda a sociedade, com metas construídas para períodos programados numa trajetória de trinta anos. Obviamente, há que se ter rigor absoluto na gestão dos recursos, com um padrão de transparência intocável e um esforço de revisão periódica de metas.
Uma proposta como essa pode soar ingênua e exageradamente pretensiosa. Ela se coloca acima dos embates eleitorais de curto prazo e independente das mudanças de correlação de forças na política partidária. A polarização atual e o rescaldo dos atos golpistas podem truncar as interlocuções necessárias para se caminhar juntos em um projeto de país de longo prazo. Mas, não temos outra alternativa.
É preciso que a sociedade perceba o risco que corremos enquanto uma nação em construção. O alerta de agora parte da constatação de que o caminho atual vai nos levar, mais cedo ou mais tarde, a um ponto de não retorno, com impactos imprevisíveis para a organização institucional e social de nosso país. A única rota de superação passa pela construção de uma trajetória que liberte o Brasil da dependência primária na balança comercial e na atividade econômica que caracteriza nossa economia e não logra meios para se ter uma satisfatória inclusão social.
*Ricardo Berzoini. Foi ministro da Previdência, das Comunicações e de Relações Institucionais. Ex-deputado federal. Aposentado do Banco do Brasil, é sócio da Veredas Inteligência Estratégica.
**Guilherme Narciso Lacerda. Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após) do Departamento de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital. É associado da Veredas Inteligência Estratégica