Fabrício Augusto de Oliveira*
Lembrando uma promessa de campanha ainda não cumprida, Lula voltou a defender, em entrevista no dia 11 de outubro, a isenção do Imposto de Renda (IR) para os contribuintes que ganham até R$ 5 mil. Em 2022, ano em que fez essa promessa, com o salário mínimo (SM) de R$ 1.212,00, os R$ 5 mil representavam 4,12 SM. Em 2024, com o salário fixado em R$ 1.412,00, essa proporção se reduz para 3,54. Se esse limite for aprovado em 2025, com o valor do salário previsto para R$ 1.509,00 neste ano, este limite cairá para 3,31 SM, o que representa uma perda apreciável em relação à época da promessa que fez. Mas, por enquanto, não há nenhuma garantia de que isso irá ocorrer, sendo mais prudente continuar contando, como atualmente, com o limite de isenção de 2 salários mínimos na cobrança do IR.
Lula parece perceber as dificuldades políticas que vai enfrentar para levar essa proposta à frente e, por isso, é cauteloso em garantir que ela será cumprida. Isso está claramente refletido na frase que empregou nessa entrevista de que “será preciso tirar de alguém” para isentar os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil. Este é o claro reconhecimento de que a cobrança do IR incidente sobre os mais pobres praticamente isenta os mais ricos de sua cobrança. Mas que, entre o desejo e a vontade de mudar essa equação e de conseguir aprová-la, a distância é enorme e o caminho repleto de frustrações.
Na entrevista, Lula restringe os que são beneficiados com as isenções ou as baixas alíquotas do IR aos que recebem dividendos das empresas, no primeiro caso, e também aos que recebem herança que pagam apenas o Imposto sobre Heranças e Doações a uma alíquota de 4 a 5%, de uma maneira geral, sugerindo que este deveria o público-alvo do IR. Isso não deixa de ser verdade, mas a reforma do imposto de renda que aponta como necessária para ampliar o limite de isenção das camadas de mais baixa renda teria de ser bem mais amplia. Teria não somente de fazer uma ampliação mais expressiva da alíquota-teto do imposto, atualmente uma das menores do mundo, visando imprimir maior progressividade ao mesmo, e fechar inúmeros canais que permitem o abatimento para o cálculo do imposto a pagar que representam verdadeiras doações para os mais ricos, além de tornar mais uniformes as alíquotas incidentes sobre os diversos rendimentos existentes, por onde também vazam receitas públicas.
Se Lula estiver pelo menos disposto a tentar romper com a tradição no Brasil de não cobrar impostos dos ricos, ele dispõe de dois instrumentos para isso: i) a proposta de reforma elaborada pela Anfip/Fenafisco/Plataforma de Política Social, com o título de A Reforma Tributária Necessária, que torna o sistema tributário bem mais progressivo, bem como com a Emenda Substitutiva Global à PEC 45, que foi apresentada ao Congresso Nacional, em 2019, pelos partidos de esquerda, incluindo o próprio Partido dos Trabalhadores (PT), com base nessa proposta; ii) a Emenda Constitucional nº 132, de 23 de dezembro de 2023, que determinou que fosse encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional uma proposta de reforma do Imposto de Renda até 90 dias após a sua promulgação, ou seja, até o mês de março de 2024. Nada disso aconteceu até o momento.
Mas se não passar novamente de um mero discurso sobre a necessidade de se colocar o rico no imposto de renda como aconteceu nos seus mandatos anteriores, quando nada aconteceu sobre isso, pode-se começar a dar adeus à correção de uma das maiores causas das escandalosas desigualdades econômicas existentes no Brasil, que é a da elevada regressividade de seu sistema tributário, que segue, à risca, uma passagem bíblica que diz: “para os que têm muito, muito lhe será dado, e, para os que têm pouco, este pouco lhe será tirado” (Evangelho de Mateus, capítulo 13, versículo 12). Resta-lhe, no entanto, uma alternativa se não conseguir apoio do Congresso para aprovar uma medida dessa natureza: a correção da defasagem da tabela do imposto de renda em relação à inflação, o que praticamente levaria o limite de isenção aproximar-se dos R$ 5 mil.
A política redistributiva do governo Lula até hoje tem se pautado por transferir recursos da classe média para as de renda mais baixa, preservando os ricos desses custos, de acordo com da filosofia de “manter os ricos mais ricos e os pobres menos pobres”, com a conta sendo paga pela classe média. Mudar essa equação representaria um grande ganho para a questão da justiça fiscal e para a redução das desigualdades sociais. Mas alguém apostaria nisso?
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudo de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia: para onde vai a sociedade”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2024.
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