Fabrício Augusto de Oliveira*
Se alguém alimentou a esperança de que uma reforma do imposto de renda (IR) estava a caminho para permitir ao governo Lula cumprir a promessa de campanha de aumentar o limite de isenção de seu pagamento para R$ 5 mil, como ele próprio se manifestou em entrevista no dia 11 de outubro, “pode ir tirando o cavalinho da chuva”, pelo menos para o próximo ano. Em evento do Itaú BBA, no dia 14 de outubro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considerou muito difícil enviar o projeto de reforma deste imposto para o Congresso ainda este ano, embora ela já venha sendo estudada pelo governo. Em virtude de ser um imposto sujeito ao princípio da anualidade para determinadas mudanças, essas, se aprovadas em 2025, só entrariam em vigor a partir de 2026.
A razão por ele apresentada para esse atraso é a de que a reforma tem de ser “neutra” do ponto de vista de seus resultados, ou seja, de que não pode gerar perda de receita para não comprometer os compromissos assumidos com as metas aprovadas em 2023 com o novo arcabouço fiscal. Isso significa que a redução de receita estimada com o aumento do limite de isenção para R$ 5 mil necessita ser compensada com a ampliação do imposto cobrado sobre outros grupos, o mesmo argumento que Lula empregou de que, para isso, “será precisa tirar de alguém”.
Segundo Haddad, vários estudos estão sendo realizados no governo sobre o imposto de renda, à procura de respostas para a tomada de posição mais definitiva sobre a reforma que será proposta. Entre esses estudos, aponta as várias deduções que são permitidas aos contribuintes para o cálculo do pagamento do imposto, bem como os grupos que são mais favorecidos com essa dedução e se elas garantem, de fato, alguma justiça tributária. Nada diz, no entanto, sobre a leveza da tributação do IR sobre os mais ricos, cujo principal ônus é mais suportado pela classe média.
Não é preciso muitos estudos, como considera Haddad, para identificar os grupos que devem ser taxados no caso de se ter de promover o deslocamento da tributação para atenuar sua incidência sobre as classes menos favorecidas economicamente. O que não falta no mercado são pesquisas amparadas em robustos dados do próprio governo que revelam a elevada regressividade do sistema tributário, confirmando que no país predomina a máxima de que “cobrar impostos dos mais ricos constitui pecado capital”. Por isso, se o governo estivesse mesmo disposto a avançar nessa direção, não teria nenhuma dificuldade para isso por dispor de todos os dados que informam para onde essa conta deve ser enviada, sem a necessidade de gastar tempo com esses estudos.
No entanto, como, para ele, esses estudos são mais do que necessários para que a reforma seja “neutra” em termos de arrecadação, não há expectativa de que uma proposta seja enviada este ano para o Legislativo. O mesmo que dizer que não se poderá contar com uma reforma do imposto de renda no atual governo, apesar das promessas feitas por Lula desde a campanha, da Emenda Constitucional nº 132/2023, que determinou seu encaminhamento para o Congresso em até 90 dias após a sua promulgação, e das frases que Lula e Haddad volta e meia repetem como mantra de que “vão colocar o rico no imposto de renda”.
A razão para esse pessimismo é muito simples. Em 2025, já terá sido dado o sinal para o início da corrida da disputa eleitoral de 2026. Dificilmente, nessas circunstâncias, um candidato potencial – se não for Lula, será alguém por ele indicado, o que dá no mesmo – vai procurar aprovar propostas polêmicas, ainda mais como a do imposto de renda que mexe com as classes mais poderosas economicamente do país, as quais têm forte influência no processo eleitoral por dispor de meios, instrumentos e instituições para defender seus interesses e moldar a opinião pública.
Não parece crível que o governo correrá esse risco apenas para satisfazer a promessa ou mesmo o desejo de Lula de elevar o limite de isenção dos trabalhadores para R$ 5 mil. Nem o de Haddad de abrir mão de seu compromisso com as metas fiscais para fazer justiça fiscal. Mesmo porque, ainda restará a possibilidade de transferir a promessa para um próximo mandato, sabendo-se que “promessas não são mais que promessas”.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudo de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia: para onde vai a sociedade”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2024.
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