Fabrício Augusto de Oliveira*
Depois de implementar uma política de forte arrocho monetário, com elevação das taxas de juros para níveis proibitivos, visando combater a aceleração da inflação provocada pelos efeitos da pandemia da Covid-19 sobre a economia, os países desenvolvidos continuam, gradativamente, a desmontar essa armadilha que tem ameaçado com uma recessão a economia mundial.
No dia 17 de outubro, o Banco Central Europeu (BCE) reduziu a taxa de juro em 0,25 ponto percentual, com a mesma caindo de 3,5% para 3,25%, após considerar que a inflação está sob controle, mas o PIB continua em queda na Zona do Euro. O Banco da Inglaterra também cortou os juros do Reino Unido em 0,25pp., no dia 7 de novembro, levando a taxa para o nível de 4,75%. O FED, o banco central norte-americano, dando continuidade à política de corte da taxa de juros iniciada em setembro, reduziu-a, igualmente, em 0,25pp., embora desacelerando o ritmo do corte em relação à reunião anterior que decidiu por um corte de 0,50pp.
Com isso, a taxa de juros nos Estados Unidos passou a situar-se, após essa redução, no intervalo de 4,5% a 4,75% desde o dia 7 de novembro. No entanto, mais nenhum corte parece previsto para este ano, embora se considere que a inflação esteja próxima da meta de 2%, devido à imprevisibilidade da política econômica do presidente eleito, Donald Trump, que é vista como potencialmente inflacionária, em razão de sua proposta de corte de impostos e de dar início à uma guerra comercial/tarifária com a China.
Caminhando na direção contrária à desses países, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), no Brasil, decidiu, no dia 06 de novembro, aumentar a taxa básica de juros da economia, a Selic, de 10,75% para 11,25%. O aumento da taxa não surpreendeu, pois o Copom já havia dado início à política de sua elevação em setembro, quando aumentou-a de 10,5% para 10,75%, sinalizando que essa trajetória seria mantida enquanto persistissem pressões inflacionárias. O que pode ter surpreendido foi o fato de o Banco Central ter acelerado o ritmo de sua elevação e ter se mostrado pessimista com o cenário – interno e externo -, o que levou os analistas a projetarem mais duas elevações no ano de 0,25pp., o que conduziria a taxa para 11,75 em dezembro, com expectativa de que atingirá o patamar de 12,25% no começo de 2025.
São várias as razões apontadas pelo Banco Central para justificar essa política. A que se encontra na base dessa decisão é a de que a inflação voltou a se acelerar no Brasil, comprometendo perigosamente o atingimento da meta estabelecida para o ano, com teto previsto de 4,5%, quando ainda se encontra em vigor o método do “ano-calendário” para o seu cálculo, que considera a inflação acumulada de janeiro a dezembro e que exige da autoridade monetária a adoção de medidas, mesmo que amargas, para garantir o seu atingimento. Mesmo depois de ter elevado a Selic para 11,25%, os economistas do Boletim Focus continuavam apostando, no dia 25 de novembro, em uma inflação, em 2024, de 4,63%, superior ao teto de 4,5%. E também grave, com previsões pessimistas tanto para 2025 como para 2026 para a mesma.
Na análise do Banco Central as expectativas se encontram desancoradas e isso se explica por uma série de fatores: i) pelas incertezas do cenário internacional diante da ameaça de uma recessão que tem provocado movimentos erráticos do câmbio e dos juros; ii) internamente, pelo aquecimento da atividade econômica, com o crescimento do PIB indo além do produto potencial, expandindo o emprego, a renda e a demanda com fortes pressões sobre o nível de preços diante de uma estrutura de oferta que não se expande em virtude dos baixos níveis de investimento privado; iii) pelas dúvidas que continuam persistindo sobre as contas públicas do governo que, manejadas para sustentar os níveis de crescimento desde 2023, na ausência de um plano consistente de desenvolvimento, têm despertado a desconfiança dos agentes privados sobre a sua capacidade de solvência no futuro e sobre a estabilidade macroeconômica.
Para o Banco Central, a política fiscal é essencial para reverter este quadro mais pessimista, para o que seria necessário o governo garantir a realização de um ajuste fiscal mais confiável em suas contas para atingir as metas fiscais estabelecidas no arcabouço fiscal aprovado em 2023. Isso significaria ingressar numa nova etapa de ajustes, considerando que se esgotaram as alternativas de aumento das receitas exploradas pelo governo na primeira etapa, devendo-se, em virtude disso, passar a priorizar o corte de gastos. Além de mais eficiente, de acordo com esses argumentos, para políticas de ajuste fiscal em relação ao aumento das receitas, a política de austeridade tem o condão de minar a força do crescimento econômico, enfraquecendo a demanda e reduzindo a pressão sobre a inflação.
A partir deste diagnóstico e pressionado pelo mercado, a política de corte de gastos entrou definitivamente na agenda do governo como antídoto necessário para a reversão das pressões inflacionárias e para se alcançar a estabilidade macroeconômica, embora essa seja uma questão altamente controversa, com implicações funestas para a economia e a sociedade. Divulgado pelo governo no dia 27 de novembro, em linhas gerais, pretende-se, no próximo artigo, discutir seu conteúdo e alcance.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do departamento de Economia da UFES, e autor, entre outros, do livro A Economia Política clássica: a construção da economia como ciência, publicado pela Editora Contracorrente, em 2023.
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