Por Fabrício Augusto de oliveira*
A necessidade de implementar uma política de corte de gastos entrou no radar do governo desde que se esgotaram as alternativas de aumento das receitas, que foram levadas a cabo principalmente no primeiro ano do mandato do governo Lula, diante das pressões do mercado, sob o argumento de que, caso contrário, seria praticamente impossível o atingimento das metas para as contas públicas estabelecidas no novo arcabouço fiscal. Caso ocorresse, este descumprimento levaria a política econômica a perder credibilidade junto ao mercado, a começar a dar adeus para o país recuperar o desejado grau de investimento junto às agências internacionais de risco de crédito, e, consequentemente, a lançar a economia numa forte onda de turbulências e instabilidade.
Mais afinados com o pensamento do mercado e mais sensíveis aos apelos e demandas dos representantes do capital da Faria Lima e dos analistas da Globo News, tanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como a do Planejamento, Simone Tebet, vinham se empenhando para aprovar o pacote de corte de gastos do governo, mas encontrando forte resistência do Presidente Lula à proposta. Em certa medida, Lula tinha – e tem – razão, porque, na ausência de um plano consistente de desenvolvimento, que em nenhum momento surgiu da área econômica, o crescimento, depois que reassumiu o comando do país a partir de 2023, tem sido sustentado principalmente pela política fiscal, com os maiores gastos do governo. Nessas condições, adotar uma política de austeridade fiscal significaria praticamente renunciar a um de seus principais objetivos que é a busca do crescimento.
Isso, por um lado. Por outro, porque como já deixou claro inúmeras vezes, por encarar os gastos públicos como investimento, como motor da economia, como “vida”, tendo chegado a sugerir, inclusive, que a ciência econômica deveria rever seu arcabouço teórico, bem como os seus conceitos para conseguir fazer uma melhor leitura da realidade, como se fosse um de seus luminares.
Além disso, comparado a outros países, a situação fiscal do Brasil não parece assim tão dramática. De acordo com a metodologia de cálculo do Fundo Monetário Internacional (FMI), a relação da dívida bruta/PIB nos Estados Unidos anda em torno de 122%. A da Itália, em 137% e a da França em 110%. A Argentina, com 154%, e o Japão, com 252%, o último por razões peculiares, são apenas alguns dos países em pior situação que a do Brasil. Ainda de acordo com o FMI, que contabiliza as operações compromissadas no montante da dívida, essa relação no Brasil estava em torno de 85% do PIB, enquanto o método utilizado pelo Banco Central, que desconsidera essas operações, registrou, até o mês de setembro deste ano, o nível de 78,5%.
O problema mais grave no Brasil, que mais tem contribuído para o agravamento de suas contas e da dívida tem origem no pagamento dos encargos (juros) da dívida. Com uma dívida de 252% do PIB, o Japão paga modestos 0,12% do PIB desses encargos. A França, 1,08% do PIB, com uma relação dívida/PIB de 110%. Os Estados Unidos, 3,02%, a Itália, 3,62%, e a Argentina, com um estoque de dívida de 154%, não paga mais do que 2,4% do PIB. Por sua vez, o Brasil, campeão absoluto dos pagadores de juros no mundo, destina 6% do PIB para remunerar os credores do Estado em razão do tratamento mais camarada da política monetária com o capital financeiro.
Apesar dessas condições adversas no manejo da política fiscal e da política monetária, o fato de ter novamente concordado em dar continuidade ao modelo macroeconômico da ortodoxia e não ter, por iniciativa de seus ministros da área econômica, elaborado um plano para explorar as poucas brechas existentes neste modelo para garantir um mínimo de crescimento econômico, sem ter de se apoiar quase exclusivamente nos gastos públicos para essa finalidade, colocou Lula nas cordas, que acabou não resistindo a essas pressões e cedendo, mesmo a contragosto, às mesmas, mesmo com um timing que terminou provocando fortes turbulências e volatilidade na economia.
A divulgação deste pacote no dia 27 de novembro pelo ministro Fernando Haddad, no entanto, aguçou as expectativas mais pessimistas dos agentes econômicos sobre as reais intenções do governo de garantir o equilíbrio das contas públicas, o que terminou provocando forte elevação das taxas futuras de juros, jogando o câmbio nas alturas e desmontando o otimismo que se desenhava no cenário econômico antes de seu anúncio. Isso se explica por duas principais razões: a percepção do mercado sobre a insuficiência do pacote de corte dos gastos para o desejado equilíbrio fiscal e o surpreendente e inesperado anúncio, junto com este, da isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais por mês, uma espécie de jabuti introduzido pelo governo numa matéria que tinha objetivos completamente opostos. Temas que serão tratados num próximo artigo.
*Doutor em economia pela Unicamp, membros da Plataforma de Política Social e do Grupo e Conjuntura do departamento de economia da UFES, articulista do Debates em Rede e autor, entre outros, do libro “A economia política clássica: a construção da economia como ciência”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2023
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