Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Tendo inicialmente bloqueado R$ 19,3 bilhões de recursos do orçamento de 2024, valor posteriormente reduzido para R$ 17,6 bilhões para cumprir a meta fiscal do ano prevista no arcabouço fiscal de R$ 28,7 bilhões, abaixo do limite de tolerância da meta zero (0% PIB), que permite um déficit primário de até R$ 28,8 bilhões (ou de 0,25% do PIB), o governo procurou, com o pacote de corte de gastos divulgado, convencer o mercado de que cumpriria as metas nele previstas para os anos de 2025 e 2026.
Deve-se ter clareza, no entanto, de ser o déficit projetado para 2024 superior a esse valor, calculado em torno de R$ 65 bilhões (0,56% do PIB), devido ao fato de algumas despesas terem sido, legalmente, excluídas do cálculo dessa meta, como as que dizem respeito às realizadas com a calamidade do Rio Grande do Sul, de R$ 33,6 bilhões, com os incêndio florestais, pela emergência climática, de R$ 1,45 bilhões, além do crédito de R$ 1,34 bilhões em favor do Poder Judiciário, e perdas de arrecadação de R$ 124 milhões também com o Rio Grande do Sul. Se essas não entram no cálculo do resultado primário, não significa, contudo, que não tenham impacto na dívida do governo.
De acordo com as estimativas do governo, o pacote de corte de gastos será capaz de gerar uma economia de recursos ao longo de dois anos no orçamento – 2025 e 2026 – da ordem de R$ 70 bilhões. Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren e especialista em contas públicas, essa economia não deve ir além de 63% do projetado pelo governo, garantindo, desde que as medidas sejam aprovadas, apenas R$ 19,2 bilhões em 2025 e R$ 25,9 bilhões em 2026.
Para o Instituto Fiscal Independente (IF), o pacote é completamente insuficiente para equilibrar as contas primárias do governo nestes dois anos. A previsão do IFI para o déficit primário do governo para 2025 é de R$ 102,9 bilhões, correspondentes a 0,8% do PIB, e de R$ 107,8 bilhões em 2026, também equivalentes a 0,8% do PIB. Ao apresentar o Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, em 15/04/2024, para o ano de 2025, o governo já se afastara das metas previstas do resultado primário no arcabouço fiscal aprovado em agosto de 2023. Nessa nova versão apresentada à época, manteve-se a meta 0 (zero) para 2024, sempre com a tolerância de 0,25% do PIB, para cima ou para baixo, mas reduziu a do superávit de 0,5% do PIB para 0% em 2025, a de 2026 e 2027, de 1% para 0,5%, e de 1%, mas só a partir de 2028. Metas que, pelo que tudo indica, dificilmente serão alcançadas com o pacote de gastos.
Não bastasse ser insuficiente, a maior parte das medidas propostas ainda têm de passar pelo Congresso, o que levanta não poucas dúvidas sobre a sua aprovação devido, por um lado, ao seu conteúdo polêmico, e, de outro, pelos conflitos que podem gerar. Entre essas, cabe destacar a mudança nas regras do reajuste salarial, que passará a ter como limite de aumento real o percentual de 2,5%, ajustando-o à regra do arcabouço fiscal que estabelece este teto para o aumento das despesas do governo; a redução do abono salarial de 2 para 1,5 salário mínimo, ao longo do tempo, com o mesmo passando a ser corrigido apenas pela inflação até atingir este limite, quando se tornará permanente; as mudanças ainda não completamente detalhadas no Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC); as alterações nas regras de aposentadoria dos militares, a proposta de extinção do benefício da morte ficta e da transferência vitalícia de pensões para suas filhas, o que, apesar de gerar uma modesta economia de R$ 1 bilhão/ano deve gerar resistências da área; o combate e redução dos supersalários do setor público, especialmente de alguns setores, como o do Poder Judiciário, que, tendo criado regras específicas de remuneração de seus quadros, extrapolam – e muito – o teto dos salários dos funcionário públicos; e, por último, a limitação do crescimento das emendas parlamentares, que deverá ficar abaixo dos limites das novas regras fiscais, devendo 50% dos recursos das emedas das comissões serem, obrigatoriamente, destinadas para o financiamento do SUS.
Assim, além de ter sido considerado insuficiente pelo mercado para dar conta do buraco nas contas públicas, não havia nenhuma garantia de que tais medidas sejam aprovadas pelo Congresso na sua totalidade, pelos conflitos que as mesmas encerram por afetarem agentes relevantes da sociedade, com influência, embora desigual, nas decisões políticas, caso dos trabalhadores, dos servidores públicos, militares e até mesmo dos parlamentares com a limitação dos recursos e da vinculação destes para o financiamento da saúde.
Se tal fato já era preocupante, a inclusão do projeto de isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais, na contramão do corte dos gastos, aumentou ainda mais os ruídos sobre o pacote e provocou uma forte onda de turbulências na bolsa de valores e nos mercados de juros e do câmbio. Porque, se o governo esperava economizar R$ 35 bilhões/ano com o pacote, a perda de arrecadação com essa isenção era estimativamente equivalente, embora o ministro da Fazenda tenha assegurado que não haveria perdas, pois o imposto de renda da pessoa física seria aumentado no mesmo montante para as camadas de renda mais alta, ou seja, de que haveria neutralidade na tributação. Mas, sem nenhuma garantia de que isso de fato ocorreria, porque, sabe-se muito bem, das dificuldades que existem para se taxar os ricos no país.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do departamento de economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2024.
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