Por Fabrício Augusto de oliveira*
Talvez mais que a insuficiência do pacote de corte de gastos apresentado pelo governo para garantir o atingimento das metas do arcabouço fiscal para os anos de 2025 e 2026, tenha sido a proposta de isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais a que gerou mais pânico no mercado, dando início às turbulências que se abateram sobre a economia e que ainda devem perdurar por algum tempo.
A divulgação de uma medida de redução da arrecadação num contexto em que era imperioso diminuir os gastos, misturando, assim, estações opostas, não poderia gerar outro tipo de reação num mercado altamente sensível, mesmo que o governo tenha procurado defendê-la sob o argumento de que não haveria perda de receita, pois essa seria compensada com o aumento da tributação sobre as rendas mais altas, ou, mais precisamente, sobre os contribuintes que ganham mais de R$ 50 mil no mês.
Além de vaga, essa promessa, despida de estudos quantitativos sobre sua arrecadação, num país acostumado a lançar o ônus tributário sobre os trabalhadores e os mais pobres, certamente encontraria resistências no Congresso, sem contar com a capacidade dos mais endinheirados de encontrar fórmulas e brechas no sistema tributário para escapar do pagamento de impostos.
A proposta de isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais, além de altamente defensável do ponto de vista de melhorar a equidade do sistema tributário no Brasil, faz parte do elenco de promessas de campanha feitas pelo então candidato Lula à presidência em 2022 e, pelo que tudo indica, este deve ter condicionado a aprovação do pacote de gastos à sua inclusão nessa matéria, uma espécie de jabuti conhecido como “matéria estranha” no jargão político. Mesmo com quadros supostamente experientes na vida pública, teria faltado ao presidente, aos ministros da área econômica e ao seu corpo técnico, sensibilidade para perceber o impacto que a mesma poderia provocar no mercado pela sua extemporaneidade por não ser o tempo certo para sua apresentação.
Embora com argumentos apresentados pelo ministro, Fernando Haddad, de que a mesma integra ou pelo menos faz parte da reforma do imposto de renda que deveria ter sido encaminhado ao Congresso até março deste ano, segundo a Emenda Constitucional n. 132, de dezembro de 2023, o que não ocorreu, a verdade é que ela se encontra desgarrada de uma proposta de reforma mais completa deste imposto, apenas com a sugestão de que a perda de receita por ela causada será compensada com uma maior cobrança sobre os que ganham acima de 50 mil reais, mas sem estudos quantitativos confiáveis e garantia de que as medidas necessárias para isso serão aprovadas.
Se Lula e o ministro Haddad não queriam provocar confusão e pânico no mercado, a receita estava à mão. Como o objetivo de conceder este benefício para os trabalhadores está previsto apenas para o ano de 2026, bastaria completar a proposta de reforma deste imposto previsto na EC 132/2023, com outras mudanças, além da solitária isenção, e encaminhá-la para a decisão do Congresso que teria todo o ano de 2025 para deliberar e decidir sobre essa matéria.
Caso contrário, bastaria corrigir a defasagem da tabela do imposto de renda da pessoa física, atualmente estimada em 167%, sem depender do Congresso. Cálculos feitos pela União dos Auditores Fiscais da Receita Federal no Brasil (Unafisco) revelam que, feita a correção correta, o limite de isenção subiria para R$ 5.084,84. E ainda que se, hoje, o número de isentos do pagamento deste imposto chega a 14 milhões, este número subiria para 30 milhões de um total de 44 milhões de contribuintes.
Ao optar por empurrar a isenção junto com o pacote de corte de gastos, o governo não avaliou adequadamente o impacto que isso provocaria no mercado, abrindo as portas para que um dilúvio caísse sobre a economia brasileira, acompanhado de um pessimismo crescente dos agentes econômicos sobre a situação futura das contas públicas e sobre a disposição real do governo de equilibrá-las, com efeitos devastadores sobre o mercado de câmbio e de juros e, consequentemente, sobre os índices inflacionários.
Com a próxima reunião do Copom marcada para os dias 10 e 11 de dezembro, aumentaram, diante disso, as apostas de que a elevação da Selic possa dar um salto para 0,75 pontos-base, chegando a 12% ainda este ano. Mesmo com as promessas tardias de Fernando Haddad de que o governo poderá rever os seus cálculos e propor novas medidas, o estrago já está feito pelo amadorismo e inépcia da política econômica e do presidente Lula.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia”, publicado pela Editora Letra Capital em 2024.
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