Por Fabrício Augusto de oliveira*
Apesar da dedicação de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na anulação de processos da Lava Jato que levaram à prisão e condenação de várias figuras do establishment político e econômico do país, seja por se considerar que a competência do julgamento caberia a outra instância da justiça, seja por questões processuais, a juíza Rejane Zenir Suxberger, da 1ª Zona Eleitoral de Brasília, voltou a colocar no banco dos réus, em despacho do dia 18 de novembro, vários empresários e políticos que haviam sido beneficiados com a iniciativa do Supremo.
Entre eles, figuram Marcelo Odebrecht; o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), João Vacari Neto; o ex-diretor de serviços da Petrobrás, Renato Duque; e mais 36 investigados na antiga Operação Lava Jato. O STF, depois de ter remetido o caso para a Justiça Eleitoral de Brasília, ao negar a competência da Lava Jato no julgamento de um dos processos, em que estes autores eram acusados de corrupção na ampliação da “Torre de Pituba”, nova sede da Petrobrás em Salvador, e de ter anulado as provas do acordo de leniência da Odebrecht, a juíza, com essa decisão, conseguiu manter este processo de pé.
Para ela, atendendo a uma nova denúncia do Ministério Público Federal, “estão presentes os pressupostos processuais e as condições de ação para o recebimento da denúncia”. Ainda segundo sua análise, “há indício de materialidade dos crimes [por estes autores], considerando documentos e depoimentos colhidos ao longo do inquérito, seja com diligências em operações, com acordos de colaboração e no próprio curso da ação penal enquanto transitava perante a 13ª. Vara Federal de Curitiba.”
A decisão da juíza representa um alento para que vários casos que haviam sido barrados e anulados pelo STF, por este entendimento sobre a competência do julgamento, possam ser retomados, impedindo que a impunidade para a corrupção continue prosperando no país. Desde o primeiro caso ocorrido em 2019, que envolveu o então prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o seu vice, Pedro Paulo, acusados de lavagem de dinheiro e caixa dois em campanha, em que o STF decidiu que a prática de caixa dois é de competência exclusiva da Justiça Eleitoral, não poucos julgamentos foram anulados e transferidos para outras instâncias.
O caso mais emblemático deste entendimento de competência foi o do então ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cuja condenação foi anulada em abril de 2021, ao ser declarada, pelo STF, a incompetência da Lava Jato no seu julgamento, tornando nulas todas as provas reunidas e todas as suas condenações. Com a porteira aberta, seguiu-se, em maio de 2023, a anulação do processo contra o ex-deputado Eduardo Cunha, condenado a 15 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Este foi, no entanto, apenas o prelúdio de uma série de anulações de penas e de processos decididas pelo STF.
Em agosto de 2023, o ministro do STF, Dias Toffoli, com base no entendimento do ministro Ricardo Lewandowski, que considerou as provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day B, utilizadas nos acordos de leniência fechado pela Odebrecht com a Lava Jato, “desprovidas de laudo probatório mínimo”, anulou o uso dessas provas contra Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, e Gilberto Kassab, secretário de Governo e de Relações Institucionais de São Paulo. E, em setembro deste mesmo ano, declarou nulas todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência da Odebrecht, entre as quais a da contabilidade conhecida como “o setor de propina’ da empreiteira. Com isso, o caminho ficou devidamente cimentado para se avançar em novas anulações, mesmo em se tratando de réus confessos. Em dezembro deste mesmo ano, o ministro anularia, também, a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do grupo J&F, citando informações obtidas da Operação Spoofing, da Polícia Federal, que apontaram ter havido “conluio processual” entre o juízo processante e o órgão de acusação, derrubando as investigações da Lava Jato, mas levando a Procuradoria Geral da República (PGR) a recorrer dessa decisão, embora com esse processo tramitando em segredo de justiça.
A partir daí, considerando as motivações políticas da Lava Jato que teriam, nessa perspectiva, orientado os inquéritos e processos, supostamente com evidentes prejuízos para os investigados, uma enxurrada de anulações de processos e condenações ganhou as páginas da imprensa, incluindo as de réus confessos.
Em dezembro de 2023, Toffoli determinou a nulidade absoluta de todos os atos praticados em processos da Lava Jato contra o ex-governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), após o vazamento da coleta de provas exposta pela Operação Spoofing, que revelou um suposto “conluio processual” envolvendo Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato, neste caso específico. Em fevereiro de 2024, o ministro Edson Fachin anulou as condenações do ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, denunciados por suposto recebimento de caixa dois pelo PT nas eleições de 2010. Essa rede de proteção aos investigados da Lava Jato foi, num crescendo, sendo ampliada e estendida para outros condenados nessa Operação.
Em maio de 2024, Toffoli derrubou todos os processos de investigação contra o empresário Marcelo Odebrecht, réu confesso, justificando essa decisão pelo “conluio processual” entre Moro e a força-tarefa de Curitiba. E, em setembro deste ano, estendeu também ao réu confesso, Leo Pinheiro, condenado a mais de 30 anos de prisão, os mesmos benefícios concedidos a Marcelo Odebrecht, e também ao empresário Raul Schmidt Felippe Júnior. Ninguém foi considerado inocente, mas, ao terem anuladas suas penas e as provas que embasaram suas condenações, tornou-se bem mais difícil para a justiça alcançá-los.
A decisão de Toffoli de livrar Leó Pinheiro e Raul Schimidt das condenações da Lava Jato foi tão surpreendente que levou a PGR a recorrer da mesma, argumentando que o pedido de anulação da defesa desses empresários não deveria ser analisado pelo Supremo, mas pela instância responsável pela condenação. As críticas de vários setores da sociedade contra as decisões de Toffoli levou-o a defender-se durante sessão da Segunda Turma do STF, no dia 15 de outubro, argumentando que “o conluio entre o juiz Sérgio Moro e os procuradores da força-tarefa de Curitiba teria comprometido o direito de defesa dos réus”. Considerava, assim, ter o Estado errado: “o Estado investigador, o Estado acusador. E o Estado juiz está exatamente para colocar os freios e contrapesos e garantir aquilo que a Constituição dá ao cidadão, que é a plenitude da defesa”. Resumindo seus argumentos: as provas podem indicar serem os mesmos culpados, mas da forma como foram obtidas devem ser anuladas e os sentenciados liberados, sem novas investigações.
A decisão da juíza Rejane Zenir Suxberger lança novas luzes nestes processos e reacende as esperanças de que possa acontecer pelo menos o julgamento de algumas figuras importantes do establishment político e econômico.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia”, publicado pela Editora Letra Capital em 2024.
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