Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Se há algo que tem me incomodado nos últimos tempos é o enorme poder das empresas de tecnologia, as chamadas big techs. A audácia de um de seus donos, Elon Musk, de desafiar a soberania do Brasil, insistindo em desrespeitar, ainda que por enquanto sem ser bem sucedido, as leis vigentes no país sobre as regras aprovadas para seu controle e a cooptação de Mark Zuckerberg, dono da Meta, por Donald Trump, para defender os interesses da extrema direita radical aumentou minhas inquietações. O fato é que o poder dessas empresas tem crescido tanto em termos econômicos que começa a se tornar comum ver alguns de seus donos ameaçar a soberania de alguns países para impor sua visão a respeito, por exemplo, entre outras questões, das liberdades individuais e da liberdade de expressão que consideram, de acordo com os padrões norte-americanos, absoluta, mesmo quando identificada como uma informação falsa ou opinião intolerante na ordem democrática. Tudo se passa como se, no capitalismo atual, o poder estivesse se deslocando das grandes empresas, que ditam as regras do jogo para a Estado e a sociedade, para os grandes empresários das big techs, que vêm ensaiando pôr o mundo sob o seu comando.
Visto em números, o poder das big techs impressiona. Considerando apenas as quatro maiores – Twitter (hoje, X), Amazon, Meta (dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp) e Apple – seus donos, Elon Musk, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Tim Cook, respectivamente, acumulam, segundo dados divulgados na imprensa, uma fortuna de US$ 887,3 bilhões, maior que o PIB anual de 175 países. Ainda que o patrimônio destes bilionários se refira ao conceito de estoque e o do PIB ao de fluxo, o cálculo fornece uma boa ideia da dimensão do valor que estes bilionários possuem e do poder de sua influência no planeta.
Com o valor de mercado de cinco big techs, Apple, Alfhabet, Amazon, Microsoft e Meta, tendo atingido US$ 10,5 trilhões em janeiro de 2024, mais de quatro vezes o PIB do Brasil e maior que o de toda América Latina, essas companhias faturaram US$ 1,58 trilhão e lucraram US$ 327 bilhões em 2023. Em dezembro de 2024, três big techs haviam ultrapassado a marca dos US$ 3 trilhões em termos do valor de mercado: Apple (US$ 3,66 trilhões), Nvídia, que cresceu rapidamente explorando a Inteligência Artificial (US$ 3,43 trilhões) e Microsoft (US$ 3,26 trilhões. Trata-se de empresas maiores que o PIB anual de quase todos os países, só perdendo, por enquanto, para os Estados Unidos (US$ 29,16 trilhões em 2024, China (US$ 18,27 trilhões), Alemanha (US$ 4,71 trilhões), Japão (US$ 4,07 trilhões) e Índia (3,89 trilhões).
Em termos de faturamento anual, e aqui, portanto, estamos nos referindo ao conceito de fluxo, as cinco big techs mencionadas, só perdem para 15 países com um PIB superior a US$ 1,5 trilhão, maiores, assim, que países como a Turquia, Holanda, Suíça, Suécia, Hong Kong, Noruega, Dinamarca e Portugal. Já em relação ao lucro de 2023 de US$ 327 bilhões, apenas 46 países conseguiram colher um PIB maior. Trata-se, dessa forma, pode-se dizer, de empresas maiores que a maioria dos países, com poder superior aos destes. Não se restringe, no entanto, apenas ao campo econômico a influência exercida pelas mesmas no planeta, na população e no mercado, tornando-os prisioneiros de suas atividades.
Não bastasse, assim, esse enorme e crescente poder econômico de algumas poucas empresas no mundo, o que não é saudável em regimes democráticos, vem se formando um amplo consenso de que os mercados digitais não estão funcionando de acordo com o interesse da sociedade, mas apenas com o das próprias big techs que, por não se contentarem com os lucros extraordinários que vêm obtendo, parecem dispostas a fazer de tudo para continuar aumentando-os em escala crescente. Para isso, não importa que suas ações destruam os valores morais e democráticos da sociedade, nem que o Estado esteja se enfraquecendo com as mesmas, já que este vem encontrando dificuldades para disciplinar sua atuação, com algumas de suas funções sociais e de infraestrutura sendo por elas apropriado. E as big techs dispõem de armas poderosas para defender ou para fazerem prevalecer seus interesses.
De um lado, oferecem serviços aparentemente gratuitos para a população, caso do mecanismo de busca do Google, do WhatsApp da Meta, do e-commerce da Amazon, facilitando compras domésticas pela internet e também do exterior, tornando-a sua aliada e aumentando as dificuldades para sua regulação e banimento. Aparentemente, porque usam as enormes bases de dados de seus clientes para obter suas informações e, com isso, lucrar, vendendo mais produtos e serviços de acordo com a lógica de dominação completa do mercado, exercendo, assim, grande controle sobre os mesmos. Além disso, detêm o poder de decidir sobre o que consideram ou não fake News, influenciando resultados de eleições, abrindo espaço para o discurso do ódio, para a apologia do crime e para a ação de pedófilos que grassam e se movimentam livres na internet.
De outro, porque essas plataformas passaram a ser o principal canal de negócios de muitos usuários, caso de produtores de conteúdo e de influenciadores, e também de empresas, por meio do comércio eletrônico, tornando-as importantes para a economia, as notícias e a informação, enfim, para toda a comunicação. Seu possível banimento de um país provocaria, assim, impactos consideráveis desde a comunicação à economia, aumentando suas grades de proteção contra os governos que se dispõem a enfrentá-las.
De certa forma, a regulação do espaço digital é extremamente difícil, especialmente no caso da computação em nuvem, território em que as big techs dispõem de habilidade, conhecimento e competência para atuar e, o que é ainda mais grave, por serem elas que definem em qual data center irão armazenar os dados sem pedir autorização para nenhum governo. Como se sabe, o data center é um centro de processamento de dados, um espaço físico, que pode ser virtual, neste caso comandado por essas empresas como provedoras, que armazena, processa e compartilha dados das empresas, e também de diferentes tipos, entre os quais o da internet, baseado na nuvem para onde aqueles são transferidos, processados e armazenados. Este espaço o governo não controla.
Na sua sede insana por mais lucros, algumas big techs têm se disposto a apoiar governos que nada têm de democráticos e que comungam a sua doutrina, visando eliminar restrições à sua atuação, caso dos megaempresários Elon Muskn (X e Tesla), com suas saudações fascistas/nazistas, Jeff Bezzos (Amazon) e Mark Zuckerberg (Meta), que se colocou como libertário e defensor da chamada “liberdade de expressão absoluta” para não ficar para trás nessa concorrência, que não só financiaram com grandes fortunas a campanha de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, como passaram, no caso de Musk, a ocupar cargos-chave em seu governo. Essa aliança entre governos da extrema direita e das big techs, que no fundo nada tem de ideológico, mas apenas o insensato gosto pelo dinheiro, revela os riscos que a democracia está correndo no mundo.
Se o Estado perder a batalha para as big techs, como tem ocorrido com a política de redução das desigualdades no capitalismo, a humanidade poderá estar dando mais alguns bons passos rumo à barbárie.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura do departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2024.
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