Fabrício Augusto de Oliveira*
Não se pode dizer que os americanos sejam idiotas. Ainda assim elegeram, pela segunda vez, um presidente, Donald Trump, que não tem a menor empatia pelo ser humano, odeia pobres e negros, bem como as regras de um regime democrático, em especial as que reconhecem a diversidade de raça, cultural e de gênero e os direitos concedidos à legião LGBTQIA+, a proteção dos imigrantes e a alternância de poder, para ficar apenas com algumas. Para ele, só existem dois gêneros, masculino e feminino, e, o grupo dos “desviados”, não binários, não deveria contar com nenhuma proteção, assim como o lugar dos imigrantes é na cadeia por tomarem empregos dos cidadãos de seu país. Quanto à alternância de poder só admite se lhe for favorável, não admitindo ser derrotado em um processo eleitoral, que sempre acusa de fraudulento quando isso ocorre. É avesso, por tudo isso, ao ambiente democrático, desrespeitando, como tirano e pródigo em disseminar fake news, suas normas.
As principais medidas que adotou ao tomar posse no governo não poderiam ser mais reveladoras de seu caráter: i) extinção dos programas governamentais de diversidade, equidade e inclusão (DEI), que abrangem desde treinamentos contra preconceitos até financiamentos voltados para agricultores e proprietários de imóveis de minorias sociais. Para isso, determinou que os funcionários envolvidos com esses programas fossem colocados em licença remunerada enquanto são tomadas medidas para fechar seus escritórios; ii) caça, sem piedade, aos imigrantes ilegais nos Estados Unidos, estimados em 11 milhões aproximadamente, com o objetivo de realizar deportações em massa e prender em Guantánamo os que forem considerados criminosos; iii) retirada dos Estados Unidos dos acordos internacionais sobre o clima, mesmo após os incêndios que destruíram uma parte de Los Angelis; iv) retirada do país da Organização Mundial de Saúde por considerar que a contribuição anual dos Estados Unidos, de US$ 500 milhões, é muito superior à de outros países, incluindo a China; v) perdão para os golpistas, incluindo criminosos, que foram condenados pela justiça por terem invadido o Congresso norte-americano, abrigado no Capitólio, no dia 06 de janeiro de 2021 para impedir a posse de Joe Biden como presidente eleito e recolocar, à força, Trump no seu comando. Isso representa, na verdade, para esse grupo, um passe livre para derrubar a ordem democrática sem sofrer qualquer punição.
Os principais apoiadores de Trump pertencem às classes menos instruídas, às que foram deslocadas no mercado de trabalho e perderam seu emprego ou viram este se tornar mais precário com as transformações conhecidas pelo capitalismo, e por aqueles que se convenceram que a democracia não é capaz de entregar as promessas feitas sobre a melhor distribuição dos frutos econômicos na sociedade, considerando que as desigualdades só têm se ampliado no tempo. Figuram também entre estes apoiadores, os que, independentemente de sua posição na escala social, é um homem hobbesiano, adepto de regimes ditatoriais, que não são poucos, como Elon Musk e Mark Zuckerberg que só têm orgasmo pelo dinheiro. À exceção, portanto destes últimos, são assim, descontentes com o sistema e mesmo com a democracia e que buscam, desesperadamente, por alternativas, fora do regime democrático, para atender suas necessidades. Fenômeno semelhante ao bolsonarismo no Brasil. Não são, no entanto, apenas nessas questões que Trump assombra o mundo.
Na geopolítica tem ameaçado anexar territórios de outros países aos Estados Unidos, caso do Canal do Panamá e da Groelândia e até mesmo transformar o Canadá em um estado norte-americano, além de anunciar, nos últimos dias, que fará uma limpeza étnica dos palestinos, com a ocupação de seu país pelos Estados Unidos para transformá-lo num “Riviera do Oriente Médio”, num claro desrespeito às normas internacionais acordadas após o fim da Segunda Grande Guerra. Na economia sinaliza, e já começa a pôr em prática, a restauração da guerra comercial vigente no século XIX, quando vigia a política autofágica de “arruinar o meu vizinho”, sobretaxando as exportações para os Estados Unidos de alguns países concorrentes no comércio exterior, como a China, o México, o Canadá. Uma política que, em nada, contribui para a prosperidade e a paz mundial. O pior é que não se sabe até onde pretende ir com essas políticas insanas.
Os líderes mundiais demoraram a acordar quando Hitler, sorrateiramente e fazendo acordos com outros países para impedir eventuais reações destes às suas políticas de anexação de alguns países europeus, terminou conduzindo o mundo a uma segunda guerra mundial. Quando despertaram para suas pretensões já era tarde e os estragos já estavam sendo feitos, incluindo a perseguição e extermínio dos judeus. Espera-se que, dessa vez, essa marcha da insensatez seja detida antes que a mesma tragédia se consuma. É a única maneira de impedir que um inimigo da humanidade consiga fazer com que o processo civilizatório retroaja ao tempo das cavernas.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES (ES), articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia: para onde vai a sociedade?”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2024.
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