Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Quando vejo Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, falando na televisão, me sinto mal. Com cara de mafioso e jogador exímio de cartas de Las Vegas, que se considera o dono do mundo, gesticula como um tirano, fazendo caretas para traduzir sua superioridade e ojeriza de todos que considera como contrários à sua ideologia. Chegam a ser chocantes as mentiras que perpetra em suas falas para desacreditar as dos que considera oponentes de sua visão, acompanhadas de meneios desaprovadores com a cabeça e com as mãos, como se simulasse seu estrangulamento. Um verdadeiro neandertal, o qual, apesar ter convivido com o homem moderno (o homem sapiens), foi extinto há 28 mil anos na Península Ibérica. Mas existem sempre os riscos de que os neandertais reaparecem travestidos de homens sapiens devido à herança genética. Trump é um exemplo claro desse hominídeo, que contava com corpo mais robusto, grandes reservas de gordura, mas que, apesar de inteligente, tinha um comportamento social violento, provavelmente devido às hostilidades existentes no mundo selvagem em que viviam.
Na reunião que realizou, no dia 28 de fevereiro deste ano, com o presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, todas essas características desse hominídeo se manifestaram. Acompanhado de seu vice, J. D. Vance, outro neandertal, procurou encurralar o representante deste país com mentiras e ameaças para dar um final à guerra entre o mesmo e a Rússia, a qual já dura três anos, usando os mesmos argumentos que o país que a ela deu início, a Rússia, para obrigar o seu adversário, a Ucrânia, a aceitar as condições impostas pelo invasor, ou seja, a sua derrota e a perda de parte importante de seu território. Ou isso, ou a Ucrânia terá de se virar sozinha. Com isso, os Estados Unidos praticamente dão o aval e liberam o caminho para maior avanço russo não somente na Ucrânia, mas em vários outros países que pertenciam a ex-União Soviética das Repúblicas Socialistas (URSS).
Trump vem fazendo o que pode para a civilização retornar ao tempo das cavernas, ou ao seu próprio tempo. O desrespeito da soberania nacional é uma das iniciativas tomadas para essa finalidade, com a ameaça de invasão e anexação de territórios de outros países, como os do Panamá, da Dinamarca, do Canadá e até mesmo da destruída Palestina. O mesmo pode ser dito em relação à democracia, arduamente conquistada pela humanidade depois de lutas milenares para enfrentar as ditaduras da Igreja, dos reis absolutistas e de não poucos defensores destes regimes. As conquistas obtidas com o processo democrático, como as da liberdade, igualdade, ainda que formal, e as da diversidade de raça, gênero e social, são vistas, por ele, como prejudiciais para a sociedade em geral. Na sua cabeça de neandertal, todas essas conquistas desvirtuaram o ser humano de sua essência.
Ao aliar-se ou passar a defender o presidente da Rússia, Vladimir Putin, outro neandertal, Trump jogou para o lixo todos os avanços civilizatórios que levaram séculos para serem consolidados. Ao acusar Zelensky de estar fomentando a terceira guerra mundial, procurou se eximir da responsabilidade de que são suas ações que estão criando as condições para que isso ocorra. Se o mundo não reagir a essas ações desagregadoras, o preço a ser pago será muito alto para o processo civilizatório. Para satisfação de Trump e de seus eleitores que parecem estar celebrando o desastre que se avizinha.
Não é todos os dias que os neandertais reaparecem, mas volta e meia isso acontece na história. Entre os exemplos mais recentes, pode-se apontar Hitler, na Alemanha, que conduziu o mundo à Segunda Grande Guerra. Mais próximos do nosso tempo, Recep Erdogan, da Hungria, Vladimir Putin, da Rússia, Alexander Lukashenko, de Belarus, Daniel Ortega, da Nicarágua, Chavez e Maduro, da Venezuela, Fujimori, do Peru e Jair Bolsonaro, do Brasil, para ficar com alguns exemplos. Geralmente, esses líderes se valem da descrença com a democracia, principalmente da população marginalizada dos frutos do crescimento econômico, cujas promessas de menor desigualdade econômica não conseguem ser cumpridas no capitalismo, para atrair esses eleitores para suas propostas enganadoras de libertação das amarras deste sistema e de retorno glorioso (sic) aos tempos passados. Um engodo, mas que parece soar como música para quem está no inferno da fome e da miséria, a praga que o capitalismo, pela sua natureza e essência, não é capaz de resolver. Pelo contrário.
O grande problema da humanidade, é que o número de neandertais tem crescido assustadoramente no mundo, ocupando progressivamente maiores espaços, enquanto a democracia vai, pouco a pouco, perdendo força como regime político com maior capacidade para se avançar no processo civilizatório. A continuar o aprofundamento dos atuais níveis de desigualdade econômica, parece inevitável que este quadro só tende a piorar. Infelizmente.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Fiscal e do Grupo de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro, “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia: para onde vai a sociedade”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2024;
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