Fabrício Augusto de Oliveira*
Bolsonaro não está tendo vida fácil. Depois de ter visto frustrarem-se várias tentativas feitas pelos seus advogados para se livrar do ministro Alexandre Moraes como relator e juiz de seu julgamento e também da 1ª Turma do STF, da qual não fazem parte nem André Mendonça, nem Cássio Nunes Marques, juízes por ele indicados, que poderiam, por gratidão, fidelidade e afinidade ideológica, votar a seu favor, viu o filme “Ainda Estou Aqui” faturar, pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o Oscar de Melhor Filme Internacional, oficialmente o primeiro Oscar do Brasil, e de ser reconhecido mundo afora.
Para quem não está lembrado, desde a sua indicação para concorrer a este prêmio, o filme, dirigido por Walter Salles, Bolsonaro, cuja família viveu em Eldorado Paulista (SP), no Vale da Ribeira, onde também morava a Família de Rubens Paiva que era dona da Fazenda Caraitá, tem insistido ter existido uma ligação entre o deputado e Carlos Lamarca, então guerrilheiro que operava na região, sugerindo que, pelo fato do mesmo esposar a ideologia comunista, ter sido mais que justa sua morte.
Depois de ter virado deputado federal, na década de 1990, Bolsonaro negou, no plenário da Câmara, que Paiva teria sido assassinado pelos militares, atribuindo essa responsabilidade aos guerrilheiros de esquerda, contra todas as evidências existentes. Além disso, quando da inauguração de um busto em homenagem ao deputado na Câmara Federal, em abril de 2014, Bolsonaro teria cuspido na estátua, chamando-o de “comunista” e “vagabundo”, de acordo com os depoimentos de seus filhos. Como se, por ter uma ideologia diferente do fascismo e mais afinada com o sentimento e a solidariedade humanas, não merecesse viver.
Com a vitória do filme consumada, para sensaboria de Bolsonaro, este continua insistindo que o deputado Rubens Paiva se uniu à Lamarca na luta contra a ditadura militar, defendendo que sua morte seria perfeitamente justificável. E ainda que Fernanda Torres estaria apenas fazendo “política’ ao dizer, em entrevista, que não teria sido possível fazer este filme em seu governo, alegando que nunca proibiu nada e nem perseguiu ninguém. Uma piada que só os bolsonaristas-raiz acreditam. A verdade é que, para quem, quando ainda tentavam encontrar os restos mortais dos que lutaram contra a ditadura militar, da qual é um grande saudosista, afixou na porta de seu gabinete (de deputado federal), em 2009, a absurda frase “Desaparecidos do Araguaia, quem gosta de osso é cachorro”, vale tudo na luta contra a democracia e contra os seus defensores. Não poderia ser mais insensível e vil com as vidas humanas.
A trupe de Bolsonaro e da extrema direita não parece ter gostado nada da conquista do Oscar pelo filme brasileiro. Sem revanchismo, o filme conta a história da família Paiva, cujo pai, o deputado federal, Rubens Paiva, foi preso e assassinado pela ditadura militar, em 1971, deixando sua mulher, Eunice Paiva, como única responsável por dar continuidade à criação de seus filhos. Sua saga nessa condição é a história contada pelo filme. Assim, nada mais é o que o retrato fiel de como as ditaduras destroem vidas e famílias, que precisam se soerguer, com dificuldades, às suas ações insanas e desumanas. Mesmo assim, despertou a ira da extrema direita, que o viu como um tapa e um acinte à sua ideologia fascista, propondo o seu boicote, o que felizmente não aconteceu. Eduardo Bolsonaro, um dos porta-voz da família, ao criticar Walter Salles, afirmou, sem ruborizar, que “o filme não passa de uma falsa narrativa sobre uma ditadura inexistente”.
Por enquanto, aparentemente Bolsonaro parece se divertir com suas diatribes lançadas principalmente contra a esquerda, o STF e os defensores da democracia. Deixemo-lo se divertir com seus absurdos. Enquanto isso, meu despertador continua programado para me chamar às seis horas da manhã, hora em que se ouve o toc-toc da Polícia Federal. Ou alguém dúvida de que isso acontecerá? Então, “vamos sorrir”, como diz Eunice Paiva, no fim deste pesadelo.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES (ES), articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “A economia política clássica: a construção da economia como ciência”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2023.
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