Fabrício Augusto de Oliveira (1)
Com o tarifaço anunciado, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, está retrocedendo mais de 300 anos na história, quando eram predominantes as ideias mercantilistas, pelas quais se acreditava que a riqueza de um país era determinada pelos saldos positivos no comércio exterior com os demais países. Isso, porque tinham como referência da riqueza o montante de ouro acumulado, que poderiam ser obtidos por meio de superávits na balança comercial.
Ignora, com essa medida, os ensinamentos de Adam Smith, considerado o pai do liberalismo econômico, que gastou boa parte de seu livro, A Riqueza das Nações, de 1776, para criticar essa visão tosca da economia, e atribuir à produção de bens e serviços a fonte dessa riqueza, condenando as práticas mercantilistas protecionistas para este objetivo e propondo o fim das regulamentações sobre o comércio exterior pelos prejuízos que essa causava para o crescimento econômico. Nas suas palavras: “na verdade, há uma balança (...) que é muito diferente da balança comercial – esta sim, conforme for favorável ou desfavorável, necessariamente gera a prosperidade ou declínio de uma nação: é a balança da produção e consumo anuais”. E, para não deixar nenhuma dúvida sobre as suas diferenças: “(...) a balança de produção pode ser constantemente favorável a uma nação, ainda que a balança comercial lhe seja desfavorável”. (2)
Ignora, também, os ensinamentos da David Ricardo, no último capítulo da primeira parte dos Princípios de Economia Política e da Tributação, de 1817, onde realiza a defesa mais consistente da liberdade do comércio, inclusive entre as nações, e formula, para tanto, tendo como referência a sua teoria do valor, uma de suas notáveis contribuições para a teoria econômica, conhecida como a Teoria das Vantagens Comparativas. A ideia básica que defende é a de que, usando de vários exemplos numéricos para comprová-la, “um país pode ser beneficiado na troca (compra e venda) de um produto que faz com outro país, mesmo que seus custos absolutos sejam inferiores na produção dos dois bens (envolvidos nessa troca), porque o que de fato interessa são os seus custos comparativos”. (3) Mas isso não é tudo.
Trump passa uma rasteira, também, no processo de globalização, que exigiu a queda das fronteiras nacionais, tão defendida pelos neoliberais, como se essa fosse o Santo Graal capaz de garantir o desenvolvimento das nações e a redução da pobreza e das desigualdades no mundo, apesar de ter se verificado exatamente o contrário. De qualquer maneira, apesar dos neoliberais que andam em seu entorno, ainda não viu ainda nenhuma crítica desse grupo à sua política antiliberal. O que não deve causar estranheza, já que os mesmos colocam cargos e dinheiro acima de qualquer ideologia.
Trump retomou, com isso, a velha política de “arruinar o vizinho”, vigente até o início do século XX, mas essa política, além de provocar sobressaltos e ruína na economia mundial, pela guerra comercial desencadeada entre os países, com redução do comércio internacional, do crescimento econômico, e de pressões inflacionárias, deve, e sobre isso não restam dúvidas, afetar dramaticamente o próprio Estados Unidos, ao contrário de suas pretensões de Fazer a América Grande Novamente (Mack América Great Again). Isso, porque, na sua irracionalidade, não percebeu que muito da produção norte-americana depende das importações de bens e insumos de outros países, o que terá fortes rebatimentos nos custos de produção e na inflação, exigindo maiores elevações nas taxas de juros para combatê-la e, consequentemente, esfriando o consumo e os investimentos no país.
Ainda não é possível antever as consequências que a política de Trump pode gerar para a economia mundial, mas, a julgar pela reação inicial dos países atingidos, é possível esperar por uma grande desordem no comércio mundial e, consequentemente, na atividade econômica mundial, e mesmo uma reorientação do comércio antes realizado com os Estados Unidos para outros mercados, enfraquecendo sua economia, ao contrário do objetivo por ele perseguido. O que, no entanto, demanda algum tempo e, por isso, incapaz de produzir melhores resultados no prazo mais curto. Quando impera a insensatez no país, que se vangloria de ser o “espelho do mundo”, todos correm risco, incluindo o próprio algoz.
1 Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “A Economia Política Clássica: a construção da economia como ciência”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2023.
2 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Livro IV, vol. I. São Paulo, Abril Cultural, [1776], 1983, p. 412 (Os Economistas).
3 OLIVEIRA, Fabricio Augusto. A Economia Política clássica: a construção da economia como ciência. São Paulo: Editora Contracorrente, 2023, p.240.
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